XXL
Por Pedro Bandeira
Em 2004 fui convidado por Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira a participar na exposição Metaflux: duas gerações na arquitectura portuguesa recente – a representação oficial portuguesa na Bienal de Veneza. Confortavelmente à margem da “geração X” ou “geração Y”, integrei o grupo de artistas e arquitectos (Augusto Alves da Silva, Didier Fiuza Faustino, Nuno Cera + Diogo Seixas Lopes e Rui Toscano), concebendo uma instalação específica para o evento – o “Projecto Romântico”.
Foi a primeira bienal que visitei e a impressão geral com que fiquei não foi a melhor. Confesso mesmo que nunca mais voltei a Veneza nesse contexto específico. Excesso de público nas inaugurações somado ao turismo quotidiano de Veneza, o excesso de conteúdos, as várias representações oficiais, as exposições temáticas, os convidados individuais, as bancas de patrocinadores, as conferências de imprensa, ou mesmo os jantares e festas, fazem destes eventos um acontecimento mais social, para troca de cartões-de-visita, do que qualquer outra coisa.
Um ano depois de Veneza, fui convidado pelo Paulo Cunha e Silva (na altura director do então chamado Instituto das Artes) para representar Portugal na Bienal de São Paulo, desta vez a solo. Apresentei uma instalação chamada “Entrada de Emergência”, uma reacção à temática da Bienal – a Utopia – e à localização do espaço dedicado à representação nacional – uma saída de emergência. Segundo sei, foi a representação mais barata de sempre levada a cabo pelo Ministério da Cultura num evento de arquitectura, ao ponto de apenas isso ser notícia nos jornais nacionais.
Nos poucos dias que passámos em São Paulo fomos a uma festa no Hotel Unique de Ruy Ohtake; a um jantar em casa do Cônsul de Portugal em São Paulo (o assunto da minha mesa foi colecção de Arte Sacra!); visitámos o SESC Pompeia de Lina Bo Bardi na companhia de Hans Hollein; a rede de televisão Globo convidou-me para desenvolver em dois dias uma proposta para renovação do viaduto “Minhocão” (apresentada no programa duvidoso chamado Fantástico!); e ainda me convidaram para ir de helicóptero para ver e comentar as favelas do Rio! Ainda que inebriado pelo calor e a humidade tropical, lá consegui resistir e dizer não. E não voltei mais a São Paulo.
As duas bienais tiveram destinos diferente. A extensão de Veneza (agora com 6 meses de duração) contrasta com a extinção de São Paulo. Veneza soube crescer, procurando directores tão mediáticos como Rem Koolhaas, Kazuyo Sejima ou David Chipperfield, o que conseguiu aumentar o número de visitas (de 180 mil para 240 mil). Num formato próximo das feiras de arte, as bienais internacionais tornara-se um “espectáculo” (no sentido situacionista do termo, embora também goste da expressão “feira de vaidades”) com temas suficientemente abrangentes ou genéricos para que não afastem ninguém. Refém dos números (financiamento, participantes, público) as bienais de arquitectura tornaram-se autênticas empresas cujo factor quantitativo se sobrepõe claramente ao factor qualitativo.
Claro que poderemos sempre argumentar que mais quantidade aumenta a probabilidade de haver mais qualidade. Inquestionável. O que é questionável é se a grandeza e o crescimento não se torna num factor entrópico, tendo em consideração o limitado tempo e dinheiro que se tem para visitar uma bienal. Mas bienais enfrentam ainda outras questões que as fizeram enclausurar no âmbito do “espectáculo”: procuram não competir com a especificidade da produção de conhecimento teórico levado a cabo pelas inúmeras escolas de arquitectura e procuram, simultaneamente, não ficar enclausuradas no âmbito de uma prática profissional que tem hoje as redes sociais como modo privilegiado de comunicação.
Que espaço resta então às bienais que não o da “festa”? Eventualmente a ponte entre a teoria e a prática, mas para isso era preciso também uma vontade de síntese capaz de contrariar a superficialidade e dispersão da informação que hoje circula um pouco por todo o lado, e isto sem ceder à tirania dos públicos. Menos continua a ser mais.