Mulheres arquitectas e arquitectura: e se trocássemos umas ideias sobre o assunto?
Por Patrícia Santos Pedrosa
Durante sete meses, de Setembro 2017 a Março 2018, a associação Mulheres na Arquitectura (MA), em conjunto com a Secção Regional Sul da Ordem dos Arquitectos, organizou o que esperamos que seja o primeiro ciclo 1, de vários, das Conversas Arquitectas: Modo(s) de (R)exitir 2. Como era afirmado no texto de apresentação, apesar de as mulheres, em 2017, representarem cerca de 44% de inscrições na Ordem dos Arquitectos 3 não surgem, tanto para o público em geral como entre pares, com uma visibilidade equivalente. O objectivo primeiro do ciclo de conversas era o de procurar questionar e perceber quem seriam e como viveriam as mulheres arquitectas e as diversas possibilidades e dificuldades da profissão.
Quase comemorando a fundação da MA, estas conversas iniciaram o que se espera que sejam discussões alargadas e diversificadas sobre as mulheres arquitectas e a profissão. Muitos são os debates que se encontram por fazer; muitos enfoques, muitas temáticas e muitas vozes que se podem e devem trazer aos palcos. Em consonância com uma inquietação que trespassa continentes e países, a MA e o ciclo de conversas alinham-se numa consciência de que é fundamental reflectir e discutir as questões de género, de equidade e de igualdade no interior da profissão. Inspiradas, entre outras, pelas diversas associações de mulheres arquitectas italianas, pela estado-unidense Equity by Design ou pela australiana Parlour instala-se a inevitabilidade de colocar debaixo dos holofotes o tema das mulheres enquanto profissionais, com direitos e oportunidades que se exigem iguais e que urge reclamar e garantir.
O formato decidido para este ciclo foi o de discutir a arquitectura e as suas intervenientes sob diferentes áreas de actuação. A inaugurar, procurou-se colocar a discussão da arquitectura num contexto profissional português mais alargado. As ideias de especificidade dissolvem-se quando se cruzam com as condições e limitações num contexto lato das profissões, compreendendo-se assim que muitas das questões são transversais — feminização versus falta de presença nos lugares de topo das empresas, ateliers ou universidades, por exemplo —, principalmente no que respeita às profissões tradicionalmente masculinas, como é a prática da arquitectura 4.
Da segunda à quinta sessões, já mais focadas nas práticas arquitectónicas e organizadas em formato debate — com três a quatro convidadas e uma moderadora —, procurou-se ouvir e reflectir ao redor da experiência de mulheres arquitectas nas áreas do projecto e da obra, da investigação e do ensino, das práticas em expansão e, finalmente, da política 5. Dada a complexidade da profissão, ou de como a profissão tem amplas possibilidades de se concretizar, esta primeira experiência, organizada segundo grandes áreas de acção, tentou especular sobre esta diversidade, procurando reconhecer pontos próximos ou rupturas entre elas.
Reflectindo sobre o que foi dito e discutido, percebe-se que a consciência das questões de género e das limitações estruturalmente impostas por uma sociedade ainda machista surgem em processo de consolidação. Muitas foram as vezes em que nalguns pontos de vista estes temas são pouco considerados ou desvalorizados. Não são alheias a este posicionamento as outras condições de privilégio que, num contexto social mais alargado, as mulheres arquitectas tantas vezes encarnam (falamos de classe, raça, orientação sexual, educação, etc.). Ainda assim, em algumas das conversas, como na que se dedicou ao projecto e à obra, por exemplo, a politização das desigualdade de género, mais além inclusive da leitura através da experiência pessoal, soube focar a discussão e dar visibilidade à questão fundamental colocada em cima da mesa.
A fechar o ciclo, a arquitecta Rosa T. Sheng trouxe-nos uma reflexão que, ainda que ancorada e enquadrada pelo contexto estado-unidense, não deixa de ter relevância e alguns pontos de contacto e questionamentos relevantes para o contexto europeu e português 6. A ideia de que algumas condições de partida são, para muitas pessoas, condições de opressão e de limitação séria e efectiva no acesso, na existência e na permanência na profissão tem ficado clara com os inquéritos bianuais que a Equity by Design, uma comissão do American Institute of Architects San Francisco (AIA SF), tem realizado no seu contexto nacional, desde 2014. Relevante foi também perceber, neste caso, quais são as estratégias de combate às desvantagens, pensadas e em vias de concretização. Mesmo se fragmentadas e nem sempre na escala exigida, também aqui muitas são as experiências internacionais que se podem identificar e através das quais podemos e devemos pensar e agir em Portugal.
Parece-nos fundamental ficarem registadas algumas limitações do próprio processo de desenho e concretização das conversas. Por um lado, apesar de ter havido um esforço de representação geográfica e etária alargada é fundamental chegar-se mais longe 7. Por outro lado, mais relevante, foi a ausência de convidadas que quebrassem a hegemonia branca. Sabemos que, em parte, o primeiro nível de dificuldade se encontra no racismo estrutural que tem privilegiado a entrada de pessoas brancas nas universidades. Em resultado, deparamo-nos com uma presença reduzida que a invisibilização também estrutural e racista não contraria nem combate. É fundamental o trabalho alargado contra estas efectivas e reais barreiras e procuramos que a MA, consciente destas condições de bloqueio ao ser-se e fazer-se arquitectura, as procure activamente contrariar.
Como nota final, é importante sublinhar a necessidade clara e gritante de se efectuar um inquérito sério e alargado à profissão e às pessoas que a praticam, considerando com particular atenção quem deixou de a praticar. Conhecer em profundidade é fundamental para se agir. O estudo realizado por Cabral e Borges 8 ou a chamada “actualização dos dados sobre o estado da profissão em Portugal” 9, ambos promovidos pela Ordem dos Arquitectos, são antigos, destituídos de continuidade metodológica e pouco atentos a condições fundamentais de análise que a actualidade reclama. A título de exemplo, é urgente perceber as curvas de abandono ao longo da vida pessoal/profissional ou as condições efectivas de emprego/trabalho, sempre garantindo que os dados se fixem associados às múltiplas condições de idade, sexo, geografia, entre outras. Estes dados são fundamentais para parte destas reflexões e consequente exigência de medidas que contrariem o desvirtuar da profissão. Desvirtuar este causado pela falta de condições para que toda e qualquer pessoa, querendo, se encontre em igualdade de condições e possibilidades de ser arquitect@. ◊
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