Contributo para a discussão pública do PNPOT
Por Tomás Reis
Na Discussão Pública do Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território (PNPOT), procurei dar o meu contributo. Este programa, além de definir as principais linhas orientadoras do Ordenamento do Território em Portugal durante a próxima década, vai certamente influenciar o Plano Nacional de Investimentos e o próximo Quadro Comunitário de Apoio, Portugal 2030.
Os documentos em discussão fazem um diagnóstico ajustado à realidade de um Estado pós-Troika, depois de vários projetos suspensos. O diagnóstico apresentado dá, então, mais enfoque em questões como o envelhecimento da população ou as alterações climáticas.
Esta tomada de consciência não impede, contudo, que faltem no PNPOT referências à dimensão internacional do território, no espaço atlântico, europeu e ibérico. Importa, pois, compreender de que modo estas dinâmicas, mais vastas, afetam também o território nacional. É também de estranhar a falta de referência a Instrumentos de Gestão Territorial (IGT) de outros países.
Nas linhas que escrevi, e que se seguem, procurei também realçar o papel da arquitetura no território, não só na melhoria do espaço construído, mas também na sua comunicação. Há áreas a desenvolver e a implementação de novas redes pode criar oportunidades. Foi nesse sentido que lancei algumas ideias, aquando desta participação pública, para que, inclusivamente, as novas oportunidades criem condições para dar visibilidade ao território nacional e seja possível exportar mais serviços de arquitetura.
Algumas propostas que fiz dificilmente se enquadram num Instrumento de Gestão do Território de nível nacional. Devem, portanto, ser lidos como meros exemplos, uma vez que os Objetivos Estratégicos jamais devem ser divorciados das políticas sectoriais ou de âmbito local que irão influenciar.
A atual revisão do PNPOT lança um olhar estratégico do território focado nos recursos endógenos e na capacidade de concretização de novos projetos. Contudo, o Programa pode tornar-se mais ambicioso, sem perder a objetividade que o caracteriza.
1. Resumo
Do texto que se segue, importa selecionar as ideias principais a desenvolver.
1. Da vocação internacional do território
Definir a vocação internacional de cada região
Coordenar Instrumentos de Gestão Territorial transfronteiriços.
Definir estratégias e políticas de cooperação com países emergentes.
2. Uma gestão inovadora do território para promover a imagem do pais
Orientar a Administração Pública para a exportação de serviços de Ordenamento do Território
Resposta aos maiores desafios territoriais como oportunidades
3. Big Data para uma gestão do território inclusiva e transparente
Maior rigor na gestão do território
Estimular a instalação Data Centers.
Encorajar a participação pública e o acesso à informação
Convocar a Diáspora portuguesa e as comunidades de imigrantes nas ações de Participação Pública
Promover ações de formação sobre corrupção e Crimes Urbanísticos, junto da Administração Pública.
4. Coerência na diversidade: em busca de um modelo de desenvolvimento
Rever divisão do solo urbano / solo rural
Facilitar a intermodalidade
Implementar uma rede ciclável nacional
Implementar uma rede nacional de trilhos
5. Do património à biodiversidade: valorizar os recursos endógenos
Criar novas redes de património
Planear corredores naturais, com escassa intervenção humana
Naturalizar espaços de enquadramento de infraestruturas.
2. Da vocação internacional do território
Na versão atual do Programa, faltam referências à dimensão internacional do Ordenamento do Território. Podem constar mais elementos provenientes dos Instrumentos de Gestão do Território de outros países europeus, designadamente Espanha. Só assim será possível garantir a integração internacional do território.
O território nacional deve ser enquadrado num mundo globalizado, em constante mudança, onde as regiões são cada vez mais interdependentes.
Importa, pois, caracterizar o país na sua vocação global, designadamente, Atlântica, Euro-mediterrânica e Ibérica.
Estas três vocações em nada substituem o estreitamento das relações com o Espaço Lusófono, a comunidade Ibero-americana e a Região Autónoma Especial de Macau, ponto de contacto com as potências emergentes do Extremo-Oriente.
Também as várias regiões do país (NUTS II) devem ser caracterizadas quanto à vocação internacional. Assim, por exemplo, os Açores assumem uma vocação atlântica que pode ser alargada ao abrigo dos acordos de comércio livre com os EUA e o Brexit, que podem tornar o Arquipélago dos Açores atraente para o investimento estrangeiro, ganhando centros de decisão empresarial e novos projetos em áreas como a Defesa ou a Investigação Científica.
A Região Autónoma dos Açores pode assumir um papel fulcral nas redes de logística do Atlântico Norte (transportes, telecomunicações). Serão ainda os Açores um destino de Congressos a promover, entre a Europa continental e a América do Norte?
Todas as regiões (NUTS II) devem ser caracterizadas quanto à vocação internacional. A vocação ibérica será determinante no Norte e no Centro, na integração nos transportes e nas redes logísticas.
A vocação Euro-mediterrânica estará presente no Alentejo e no Algarve, onde só a cooperação com Espanha, o Sul da Europa e os países do Magrebe pode dar uma resposta eficaz à desertificação e às alterações climáticas.
Seja qual for o modelo de cooperação internacional em estudo, deverá haver coordenação ao nível dos Instrumentos de Gestão Territorial. Assim, por exemplo, os Planos Diretores Municipais deverão ter presente quais são os planos de ordenamento do território previstos para as regiões limítrofes em Espanha.
Finalmente, é urgente assumir uma estratégica para a integração do território nacional nas redes dos países emergentes. Além de uma Política para as potências emergentes no Médio e no Extremo-Oriente, que poderia gravitar em torno de Macau, como hub de excelência para o fornecimento de bens e serviços nacionais naquela geografia. A cooperação com os países do Extremo-oriente também poderá trazer novos projetos estruturais para o país, designadamente a integração do território nacional na Nova Rota da Seda, que tem sido desenvolvida pela China.
É também imprescindível criar uma estratégia que situe o território nacional relativamente à ascensão económica, cultural e demográfica dos países do Magrebe. O país poderá ganhar com o alargamento da cooperação com estes países.
3. Uma gestão inovadora do território para promover a imagem do país
Finalmente, olhando para o território nacional, o PNPOT pode ser mais ambicioso na defesa da coesão territorial. As políticas de ordenamento do território podem mesmo tornar-se num desígnio capaz de projetar a imagem do país no exterior, valorizando os agentes capazes de exportar bens e serviços.
Portugal, além de ser dos maiores produtores de energia renovável, pode ser um país pioneiro na adaptação das cidades a uma população envelhecida, exemplo em políticas florestais e em modelos de gestão de territórios de baixa densidade populacional.
É, pois, nas políticas de Ordenamento do Território, que os maiores desafios podem dar lugar a modelos de desenvolvimento que sejam apontados como exemplos a seguir. Os territórios de baixa densidade populacional são disso exemplo, podendo ser mencionados como projeto de integração europeia menos conseguido ou, em alternativa, como locais de qualidade de vida e santuários de biodiversidade, onde a gestão sustentável dos recursos acompanha a criação do maior parque natural transfronteiriço da Europa.
Obviamente, esta projeção da imagem só se consegue com estratégias de marketing territorial, devidamente alicerçadas em redes de conhecimento que tornem a experiência portuguesa numa mais-valia para terceiros. Nessa ótica, os agentes ligados à política do território, incluindo os organismos do Estado, tais como municípios e empresas publicas, podem exportar serviços de consultoria, numa capacitação capaz de fixar talento e massa crítica no país.
Esta lógica de troca de conhecimento pode ser potenciada se houver maior comunicação entre várias entidades, designadamente na publicação de manuais de boas práticas, à semelhança do que é feito em muitos países europeus. Este tipo de publicações deve ser altamente encorajado, já que facilita a comunicação entre agentes e credibiliza a administração pública junto de cidadãos e de potenciais investidores.
4. Big Data para uma gestão do território inclusiva e transparente
Problemas como o povoamento difuso criam novos desafios, nem todos identificados no PNPOT. A sinalética rodoviária pode aqui ajudar a comunicar territórios difíceis de interpretar, onde o viajante facilmente se perde.
É, pois, importante promover o design e a arquitetura paisagista nas empresas com expressão territorial, em sectores como transportes, comunicações, produção e distribuição de energia. Essa lógica esteve presente, por exemplo, quando o Arquiteto Eduardo Souto de Moura concebeu uma intervenção paisagística junto de uma barragem produtora de energia elétrica.
Só com intervenções na comunicação da paisagem, o próprio território assume-se plenamente como vetor de coesão social, ambiental e económica.
Esta melhoria da sinalética pode ser alavancada pelo Big Data. O território pode agora ser gerido de forma diferente, descentralizando ou centralizando competências. Gerir o território de e para Big Data pode, por exemplo, gerir a rede de estradas pelo semáforo, a floresta pela árvore ou a iluminação pública pelo candeeiro. O país pode ainda planear a presença de Data Centers no território, podendo captar investimento estrangeiro com vista à afirmação de um sector estratégico.
A evolução tecnológica permite que o Estado tenha uma central de compras, onde, por exemplo, a compra de mobiliário urbano poderia ser uniformizada a nível nacional.
Este aumento do rigor na gestão do território pode trazer mudanças de paradigma. Na participação cidadã e na discussão pública, torna-se possível centralizar e simplificar o acesso a documentos. Toda a informação cartográfica pode ficar disponível em ferramentas já muito disseminadas, como Google Maps.
A participação pública online também pode chamar a opinião da Diáspora portuguesa, reaproximando os portugueses que vivem no exterior, através da recolha de ideias e na recomendação de boas práticas no estrangeiro. Também a população estrangeira residente em Portugal pode ser chamada a participar nos processos de decisão do Ordenamento do Território.
A Big Data poderá facilitar o combate à corrupção, uma vez que é cada vez mais fácil cruzar dados. A evolução tecnológica deve, contudo, ser complementada com ações de formação, junto da Administração Pública, sobre corrupção. Devem também ser lançadas ações de formação sobre Crimes Urbanísticos, para aumentar a transparência na Administração Pública.
5. Coerência na diversidade: em busca de um modelo de desenvolvimento
A resiliência territorial passa pela diversificação dos usos do solo, que suporta uma maior complexidade económica, social e ambiental. Essa diversidade dificilmente pode ser compatível com a atual classificação do solo rural ou urbano, cujos princípios devem ser revistos, para que usos como a agricultura urbana possam ser considerados de forma mais sistemática.
A mesma abordagem deve estar presente nas franjas das grandes cidades, em territórios de povoamento disperso, onde usos como a agricultura de subsistência podem garantir uma maior resiliência àqueles territórios. Assim, a dispersão do povoamento é apontada não só pelos seus desafios, mas também pelos potenciais benefícios.
A diversificação de usos do solo deve fazer-se acompanhar por uma diversificação da mobilidade. É certo que existe um longo percurso a percorrer ao na infraestruturação do território. Falta articulação entre modos de transporte, não só ao nível das infraestruturas, mas também a nível operacional.
Por exemplo, é imprescindível ligar a Linha do Algarve ao Aeroporto de Faro e o Aeroporto de Beja deve ser servido pelo ramal ferroviário que serve aquela cidade e que dista apenas 4 km do aeroporto.
É igualmente imprescindível integrar as regiões fronteiriças em redes de transportes que não coloquem os concelhos raianos no fim da linha, em ligações que tenham as principais cidades espanholas como destino. Assim, cidades como Bragança, deverão ter ligações rodoviárias diretas para Lisboa, Porto, assim como Salamanca, León, Ourense e Valladolid (ver fig. 11).
Contudo, a diversificação da mobilidade não passa apenas por grandes investimentos públicos. É necessário sinalizar uma Rede Ciclável Nacional, devidamente hierarquizada e integrada nas redes europeias. Esta rede pode integrar as ciclovias e Eco-pistas já existentes e, à semelhança do rede de estradas, permite atravessar o país nos itinerários principais.
Também a Rede Nacional de Trilhos, da qual fazem parte os principais itinerários pedestres, deve obedecer à mesma lógica. Neste caso, a beneficiação dos Caminhos de Santiago bastaria para fazer uma integração europeia bem sucedida.
Estas redes nacionais de percursos cicláveis e pedonais jamais iriam competir com outros modos de mobilidade. Pelo contrário, poderão diversificar o turismo e chamar novos públicos, numa tendência que já é visível nos caminhos de Santiago e de Fátima. Só com uma comunicação coerente, será possível implementar em Portugal as boas práticas europeias, dado que, um pouco por toda a Europa, generalizou-se já a sinalética pedonal e ciclável.
Esta lógica de diversificação de usos do solo e de formas de mobilidade também pode ser aplicada na adaptação às Alterações Climáticas. As Políticas de Ordenamento do Território podem mesmo ser revistas face a diferentes padrões do clima, que podem ser difíceis de prever nas próximas décadas. Assim, por exemplo, a resiliência da Orla Costeira passa por admitir níveis do mar superiores ao esperado.
6. Do património à biodiversidade: valorizar os recursos endógenos
Finalmente, as ideias já referidas devem ser encaradas como meros contributos para criar valor no território.
No território nacional há património natural e cultural único no mundo. Por essa razão, importa garantir uma política de vivificação do património, que consiga trazer novos usos aos bens imóveis classificados e, dessa forma, contribuir para a salvaguarda.
Esta visão pressupõe uma divulgação assente em redes temáticas, à semelhança do que foi feito na Rota do Românico. Importa sublinhar que a extensão do património artístico em Portugal coloca o país numa posição cimeira a nível europeu.
Contudo, ao contrário de outros países, muitos imóveis encontram-se dispersos no território, como é o caso das ermidas do Alentejo ou das defesas de Linhas de Torres. Comunicar essa riqueza patrimonial torna-se portanto fundamental, para que todos estes lugares classificados ganhem visibilidade.
Esta dispersão territorial do património pode ser uma mais valia, se o turismo em Portugal tender para uma maior especialização. Nesse sentido, apostar em vários nichos, muito além do turismo balnear, pode levar à descoberta de outras regiões no Interior.
É no Interior que proliferam espaços de baixa densidade populacional. Estes espaços podem, contudo, potenciar o ecoturismo, que tem uma grande margem de crescimento em Portugal, dado o seu estado embrionário.
Os espaços de baixa densidade populacional podem mesmo ser um ativo significativo, se forem colocados em rede. Assim, podem ser planeados corredores de escassa intervenção humana. Para estes corredores pode contribuir a naturalização dos espaços de enquadramento das infraestruturas. A mortalidade de espécies como o Lince Ibérico seria reduzida e criar-se-iam novas oportunidades para o sector da construção civil. ◊