Media & Arquitetura
A geração de prata
Por Nelson Augusto
“Hoje a diferença entre um bom & um mau arquitecto está em que este sucumbe a toda a tentação e o bom arquitecto resiste-lhes.” 1
Acentuando a análise numa relação distópica, invoquemos os extremos para uma clara compreensão. A divulgação controlada da obra de Luis Barragán revela a importância desse compromisso. Arquitecto reconhecido pelo seu silêncio eclético tomou a decisão de controlar os moldes em que a projecção da sua obra deveria ser realizada. A delicadeza desta inquietação gerou um enorme interesse, muitas vezes fantasiado, tanto em torno do autor como da sua obra. Num outro espectro, Zaha Hadid encontrou nos media o meio apoteótico de se projectar. Ao saber alimentar as publicações com um culto ao “experimentalismo formal”, percebeu a importância de se relacionar com um mundo mais virtual e globalizado. No panorama nacional, Álvaro Siza ao nunca ter a necessidade de protagonizar um sítio virtual em nome próprio gerou uma confiança enganosa no que seria a “propaganda” de obras nacionais.
O bom, o mau e o vilão: uma tríade de egos que influenciou as gerações que se seguiram e com a qual as produções editoriais aprenderam a lidar.
Criando um efeito sistémico, os ateliês nacionais reagiram tarde, resultando numa internacionalização nervosa e amadora. A imagem surgiu como um desconforto herege, e a sua divulgação uma má profecia. Várias produções editoriais viram-se na necessidade de transfigurar as suas identidades. Se umas apostaram em monografias viradas para um público interno, com entrevistas a autores reconhecidos explorando uma maior intimidade entre autor/leitor (como é o caso da ArchiNews), outras, maioritariamente internacionais, perceberam que para sobreviver teriam que ampliar o seu público-alvo e apostar na multidisciplinaridade. A responsabilidade do que se publica passou a ser a chave para a credibilização de um projecto editorial, bem como, o uso acertado das redes sociais. Revistas como a Arqa perceberam que as barreiras entre as publicações de papel e o mundo virtual estavam clarificadas: não podendo vencer pela velocidade, apostaram numa forte identidade, em que a volatilidade do virtual surgiu como complemento às publicações em papel.
Internacionalmente, se olharmos para a designboom ou a uncube, depreendemos que o salto geracional foi maior, constatando o facto de estas terem surgido como revistas totalmente digitais. Em Portugal, a doutrina viu nestas uma heresia contemporânea. Álvaro Siza, ao alicerçar-se ao mais reconhecido fotógrafo de arquitetura nacional (FG+SG), desconstruiu os limites em que as obras nacionais seriam publicadas, fornecendo um aval ético e moral. O mito estava vencido.
Geracionalmente, a batalha passou também a estar em diferentes pólos. As redes sociais e o acesso imediato à informação permitiram que muitos jovens arquitectos criassem projectos editoriais independentes. Desconstruindo a profissão, num mercado de trabalho duríssimo, esta nova geração encontrou outros espaços para se afirmar. Também os ateliês, como os Microcities com o Socks ou os Ateliermob com o seu blogue de arquitectura vencedor de diversos prémios, encontraram na publicação de newsletters e/ou investigações próprias um meio de se apresentarem para além da sua obra construída. Contrariamente, a Punkto surgiu com o intuito tanto de aproximar as publicações académicas a um público mais vasto, como de devolver o importante papel político do arquitecto perdido após o Movimento Moderno. A recente publicação do livro Cidade Social do arquitecto Ricardo Carvalho é também aqui um bom exemplo.
A crítica reside no facto de muitas destas publicações se encontrarem numa situação de “meio-termo” criada por diversos factores: o encontro libertador tardio, uma internacionalização imprecisa, uma geração jovem que ainda não encontrou a distância crítica necessária para lidar com o establisment que a educou e a inevitável dificuldade de financiamento para este tipo de projectos.
No entanto, é na crítica de arquitectura nacional que se encontra o maior flagelo. A intimidade entre ateliês e críticos levou a uma prática escrita baseada no uso de temas que apenas alimentam uma nostalgia gasta, uma joie de vivre contemplativa, a-crítica, a-política e complacente. A equação é mais complexa quando percebemos que a nascente dos problemas reside no ensino de arquitectura. A desvalorização da produção crítica individual, a dificuldade de adaptação do ensino de arquitectura à multidisciplinaridade e os estigmas no uso dos novos media, são os principais factores do retrocesso geracional em que nos encontramos.
Assim, o sucesso de um projecto editorial depende essencialmente do acerto no tom. Um problema de expressão: se o silêncio foi o ouro de um tempo, a prata parece residir na voz de uma geração independente, capaz de desmistificar o uso dos novos media, promovendo os tão necessitados factores de aproximação da arquitectura a um público mais vasto. ◊