Reporting from the Eastern borders
Arquitecturas e estratégias culturais de 5 jovens países em Veneza [Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Letónia, Estónia e Lituânia]
Por Inês Moreira
“Because, regardless of whether the space is treated as a resource or as an existential foundation, its quality and its future bother each of us”.
Ministro do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Montenegro
Respondendo ao tema geral da Bienal de Veneza de Arquitectura – Reporting from the Front – um conjunto interessante de pavilhões de países do (novo) Leste Europeu explora, radicalmente, questões específicas das suas nacionalidades, arquitectura e território dando-lhes visibilidade e, talvez, resolução internacional, enquanto arriscam um novo entendimento e abordagem ao potencial de participação de pequenos países no gigante evento internacional que é Veneza.
O que têm em comum estes países, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Letónia, Estónia e Lituânia? Tal como Portugal, nenhum dos cinco países tem pavilhão nacional em Veneza, são países com economias pobres e onde a política cultural não é prioritária. Vistos desde Portugal, cujas fronteiras centenárias levam intuitivamente a pensar que noções como país, nacionalidade, identidade ou, mesmo, língua, são elementos estáveis e coesos, todos – Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Letónia, Estónia e Lituânia – se debatem com as suas novas fronteiras e identidade interna para, a partir de questões nacionais, se posicionarem na comunidade internacional enquanto propositores de debate sobre arquitectura.
Bósnia e Herzegovina
“Sarajevo Now: The people´s Museum” é um evento colateral de uma rede informal que cria assim o primeiro pavilhão da Bósnia e Herzegovina, país sem pavilhão pois o antigo edifício Jugoslavo é hoje Sérvio (não tem, também, Ministério da Cultura). Sarajevo Now, apresentado no recinto do Arsenale num espaço cedido pela Municipalidade Veneziana, é o esforço de uma 2ª geração de refugiados nascidos/educados fora da Bósnia e que pretendem sensibilizar a comunidade internacional para a reconstrução após a guerra e para o que há ainda que fazer. Para tal, contam com o apoio da ETHZurich e do Urban Think Tank (que também partilha o espaço e apresenta uma retrospectiva), para dar visibilidade e provocar discussão internacional através do estudo e projecto sobre “um ícone heróico de resistência e resiliência”, o Museu do Povo criado em 1945 e inaugurado em 1963 (então Museu da Revolução), hoje com mazelas e marcas dos bombardeamentos da linha de frente. Uma película utópica, à la Christo, ou à la Cedric Price, envolve o edifício do museu depauperado (hoje com funcionamento incipiente através de voluntários sem recursos para o manter) propondo um novo modo de urbanidade. A proposta do pavilhão é descobrir um modelo alternativo de regeneração urbana que possa ter epicentro no museu e a partir dele e das memórias da resistência criar uma nova urbanidade, com participação cidadã na programação e manutenção do edifício. (curador: Haris Piplas, investigação e maquete: Sabina Biser, Mersel Bujak, Masha Aganovic).
Montenegro
“Project Solana Ulcinj” é o projecto peculiar com que Montenegro se apresenta em Veneza, criando propostas visionárias gerando debate internacional sobre o futuro de uma vasta área pós-industrial que levanta problemas ecológicos transnacionais: destino de turismo de massas, parque ecológico mediterrânico, ou reindustrialização? Debruçando-se sobre os terrenos pós-industriais que resultaram do abandono das grandes salinas industriais junto ao mar Mediterrâneo, Bart Lootsma e Katharina Weinberger, envolveram ateliers dedicados à arquitectura paisagista em diversos países (3+1 por concurso) procurando para mapear a realidade hoje existente tanto física, ecológica e animal, antecipando possíveis futuros para a região, no modelo holandês de projecção de questões futuras, tal como o fez a cidade de Roterdão. Aproveitando a visibilidade de Veneza, o projecto tem natureza processual e estrutura-se em diferentes momentos: simpósio de reflexão em Montenegro, levantamento e projecto no terreno, exposição e simpósio internacional em Veneza, simpósio e summer school em Montenegro. Isto é, a exposição em Veneza é uma fase do projecto em curso, que se estenderá em Montenegro ao longo do Verão.
Os projectos expostos são dos ateliers ecologicSTUDIO, LAAC Architects, LOLA Landscape Architects, e dos jovens montenegrinos The Trigger 50/50, e empregam diversas abordagens ao paisagismo, operando entre estratégias e tecnologia: os algoritmos generativos que procuram compreender os movimentos migratórios das aves, as nuvens 3D que mapeiam a realidade topográfica e o edificado abandonado numa nova amálgama material no terreno, o levantamento exaustivo de espécies animais e de comportamentos ambientais, bem como pela criação de novos sistemas mecânicos para manter a natureza artificializada (hoje a salina atrai flamingos e outras aves que usualmente não passavam pela região). Todos os quatro projectos são propostas utópicas, para especulação futura e debate.
Foi o longo debate (cerca de 5 horas) que ocorreu no pavilhão a 29 de Maio que demonstrou a abertura e profundidade das questões específicas em conflito no terreno e as implicações políticas dos projectos e das ideias da arquitectura. As propostas (utópicas) perturbam os interesses de empresas alemãs no terreno dedicadas à criação de hotéis/turismo de massas, surgindo ameaças aos curadores vindas de diplomatas alemães e agentes vários que vêm os seus planos sabotados, a par das preocupações que os activistas ambientais e ornitólogos montenegrinos manifestam relativamente ao ecossistema. No debate, entre os autores e agentes, estava também presente um “gestor de conflitos” demonstrando o relevo da temática (e a tensão entre as partes envolvidas) e o trabalho que um pavilhão pode permitir.
Báltico
Reunindo pela primeira vez num pavilhão único e usando a designação geográfica daquela região europeia, o Pavilhão Báltico assume uma posição geopolítica e envolve-se com esforços ”transformadores em jogo para reprogramar uma região inerte para além da separação em estados-nação”. Estónia, Letónia e Lituânia, reunidos através de uma grande equipa de 9 curadores que venceram concursos nacionais para os respectivos pavilhões, distanciam-se da identidade nacional de cada um dos países para “espacializarem” a nova época geológica em que Humanidade entrou, o Antropoceno. O pavilhão ocupa um edifício brutalista construído em betão por Enrichetto Capuzzo, em frente ao Arsenale, para servir de pavilhão desportivo e de campos de treino (que convivem). A escala “brutal” do pavilhão surpreende o visitante e explora a sua totalidade: ambas as bancadas e campo de basket servem de dispositivo onde estão instalados conteúdos (nos degraus, em mesas, no chão) sob uma superfície têxtil topológica que unifica as bancadas e cria o efeito de porosidade entre subsolo, superfície e atmosfera, remetendo para a escala humana dos corpos que deambulam estratigraficamente, bancada acima e abaixo. O pavilhão torna-se numa secção metafórica da região em análise, apresentada através de fragmentos da exploração mineira, de novos materiais construtivos, documentos técnicos de origem soviética, amostragens geológicas, ou ainda na apresentação da maquete do novo museu Nacional da Estónia, com 350 metros de comprimento ao longo de uma pista de aviação militar soviética, a inaugurar em Tartu em Setembro deste ano. Matéria, material, obra, mas também ficção, subjectividade e estratégia estão presentes na extensa exposição disposta segundo 8 núcleos: Esforços transformadores, Inércia, Realidade, Região, Antropoceno, Horizonte, Atmosfera, Palasport. Um livro de ensaios acompanha a exposição, criando o contexto intelectual e inscrevendo a questão regional no debate internacional, através da Sternberg Press. Uma das autoras, a teórica Keller Easterling, proferiu uma conferência sobre o seu livro “Extrastatecraft, The Power of Infrastructure Space” propondo uma leitura da região e dos poderes por detrás das infraestruturas que operam e gerem zonas económicas autónomas.
—
“A Oeste Nada de Novo”, dizia Erich Maria Remarque, entrincheirado. Há, hoje, novidades interessantes no Oeste Europeu, como o diálogo intergeracional e arregional sobre a adaptação à realidade da crise imobiliária em Espanha, envolvendo autores antitéticos como as activistas Cadelas Verdes, ou Jordi Badia. Contudo, é facto que a Leste há muito o que ver, ampliando o sentido da representação nacional, e do campo disciplinar da arquitectura: da reflexão sobre a identidade colectiva encapsulada no edifício de um Museu Moderno e leitura da memória histórica (comunista) a partir dos grupos de resistência (Bósnia), à leitura da nova ecologia de origem humana e proposta de intervenção na paisagem pós-industrial (Montenegro), ao levantamento do território em função de categorias híbridas como o antropoceno, a infraestrutura, as matérias primas ou a energia.
Estes pavilhões do Leste Europeu permitem descobrir os países e as problemáticas que a arquitectura enfrenta, mas também permitem aprender com estas “estranhezas” nacionais, tanto no que toca às visões de nacionalismo, região ou fronteira, como na expansão que propõe do papel da arquitectura e dos Arquitectos enquanto agentes de questões mais vastas. O que significa representar um país através de um pavilhão, que implicações terão estas representações no futuro? Estas questões ficam por responder, mas os limites dos pavilhões estão cada vez menos fixos e as possibilidades levantadas terão seguramente efeitos, ao nível da recuperação, do debate paisagista e territorial, mesmo da inscrição de novas identidades regionais, o que não é pouco considerando a efemeridade das exposições de arquitectura.