Habitação Acessível: que estratégia adoptar partindo de outras experiências europeias
Por Ricardo Prata
A adopção de medidas na área da Habitação não reúne consensos nos diferentes quadrantes da sociedade, mesmo considerando-se o direito ao seu usufruto uma base de partida estabilizada com o advento dos regimes democráticos na Europa.
Os maiores centros urbanos em Portugal (Lisboa e Porto) têm vindo a confrontar-se com fenómenos de “gentrificação” idênticos aos que várias cidades europeias já se confrontaram. As origens do fenómeno são diversas desde o recente “boom turístico” até às distorções especulativas promovidas por agentes públicos ou privados.
Entre as respostas mais recentes evocadas por diferentes partidos políticos falam-se em taxas e em habitação acessível. Ora como poderemos adiante comprovar as políticas habitacionais deverão ser combinadas e múltiplas dirigindo-se por um lado à aquisição de primeira habitação e por outro lado ao investimento.
Para uma análise comparativa das possíveis políticas reguladoras que estão à disposição dos estados decidi ilustrar 3 contextos diferentes que demonstram igualmente diferentes aproximações ao problema e ao enquadramento sócio-económico de cada país:
- 1 França – um contexto regulado como resposta às diferentes pressões sociais. A habitação social e os seus operadores, a habitação acessível e o mercado livre. Estímulos fiscais para o investimento e o crédito bonificado à primeira habitação.
- 2 Suíça – a iniciativa cidadã e cooperativa. O caso de Zurique e o combate à zonificação residencial em contextos de baixa densidade. A responsabilidade partilhada do risco e a moderação dos preços do mercado de arrendamento.
- 3 Suécia – A hiper-regulação e o controlo do parque habitacional. A gestão do trauma da bolha especulativa e a garantia dos direitos fundamentais num país com um clima hostil. A optimização como princípio de gestão de recursos urbanos.
Em Portugal a recente discussão sobre a especulação imobiliária e a necessidade de habitação acessível feita no contexto da negociação do Orçamento de Estado 2019 não deverá ficar por um somatório de intenções, mas deverá traduzir-se numa análise mais aprofundada da legislação existente e das oportunidades que o actual momento encerra.
Gostaria de deixar com este artigo uma pequena contribuição para melhor se definirem os termos em que se deve basear esta discussão, os instrumentos legislativos disponíveis, a pedagogia e o papel da sociedade civil no seu acompanhamento e a melhoria necessária às condições de aquisição e de investimento na habitação dos grandes centros urbanos.
- 1 Habitação acessível – a experiência recente em França
- – Antes de mais convém esclarecer que em França os grandes conjuntos de habitação social realizados nos anos 70 e 80 e que degeneraram em ghettos são hoje substituídos por uma estratégia de dispersão da habitação social por uma percentagem no interior dos novos blocos residenciais construídos nas novas zonas urbanizáveis das cidades.
- – Criaram-se os bayeurs sociaux – agentes imobiliários (alguns participados pelo estado) que constroem ou adquirem habitação unicamente para esse fim, tendo um mercado com condições de aquisição muito especiais, podendo-se mesmo obter créditos com taxas de juro de 0%.
- – Estas medidas fizeram com que a taxa de pobreza em França seja uma das mais baixas da U.E. com 13,6% sendo que 32% do PIB é destinado à assistência social.
- – Já a habitação acessível está definida em França como uma primeira habitação destinada a agregados familiares jovens e que estão colocadas num mercado regulado com rendas baixas. Também a aquisição da primeira habitação para jovens casais ou estudantes tem condições de financiamento únicas com possibilidade de créditos bonificados ou rendas abaixo do valor do mercado de arrendamento livre.
- – As mais recentes iniciativas legislativas em França que têm vindo a incidir sobre o mercado imobiliário – Loi Malraux e a Loi Pinel – sustentam a tese que o Estado delega essencialmente na iniciativa privada a construção da Habitação Acessível.
- – Estas leis promovem sobretudo a desfiscalização do capital investido em casas que irão ser colocadas num mercado de arrendamento com rendas acessíveis ou em habitação que cumpre um conjunto de requisitos de eficiência energética (label).
- – A suposta racionalidade do sistema é a de estimular a construção social, acessível e energeticamente eficiente desagravando fiscalmente o capital investido.
- – Estas acções legislativas são um suporte para promover os três princípios que hoje regem a construção dos eco-quartier nas novas zonas urbanizáveis das cidades francesas: densité, mixicité et efficience énergétique.
- – Este conjunto de bons princípios tem infelizmente como contrapartida valores de venda por m2 elevados para padrões de qualidade construtiva muito baixos, e que nos leva a constatar que às vezes se podem encontrar melhores acabamentos na habitação social que na habitação vendida em mercado livre (dirigida ao investidor que quer alugar ou rentabilizar).
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Bibliografia:Études 2017 du réseau des ADIL – Agence Nationale Information du LogementLogements Sociaux et Étudiants , Quartier Ourcg-Jaurés, Paris 19emeMarc Bassets- Jornal El País 13.09.2018 – Macron busca un giro social con un plan contra la pobreza
- 2 Habitação Acessível – a experiência recente na Suíça
- – O contexto suíço na área do urbanismo é bastante heterogéneo. Por ser o maior centro urbano do país a situação de Zurique é aquela que nos interessa analisar.
- – A cidade de Zurique que tem vindo a sofrer um intenso crescimento, absorvendo as pequenas localidades envolventes foi sempre uma cidade de baixa densidade construtiva. O modelo de cidade-jardim que constituiu a génese da cidade esgotou-se no final dos anos 1960, tendo vindo a ser substituído por um modelo de cidade progressivamente mais denso em redor do núcleo urbano primitivo.
- – A zonificação residencial foi um dos principais problemas da velha cidade-jardim que a nova estratégia de densificação procurou combater. Como tal a introdução de programas e equipamentos de carácter lúdico, desportivo e cultural foi sempre estimulada a par da criação dos conjuntos habitacionais.
- – A assistência social manifesta-se na Suíça em equipamentos como residências para jovens, idosos ou estudantes, mais do que na criação de mais habitação própria.
- – O congelamento durante várias décadas de construção nova fez com que a procura nos anos mais recentes superasse largamente a oferta fazendo disparar os preços.
- – A resposta a este aumento de preços fez com que se tenha vindo a recuperar uma das estratégias mais improváveis num regime liberal – a construção de habitação nova através de cooperativas habitacionais.
- – A tradição de democracia participada e federativa do país será provavelmente a responsável por este fenómeno a que se têm vindo a associar numerosas instituições públicas que facilitam a partilha do risco no investimento realizado.
- – Um apartamento em cada 20 pertence a uma das 1500 cooperativas de habitação existentes no país. São entidades de utilidade pública que praticam preços inferiores em 20% aos preços de mercado.
- – No aluguer de alguns apartamentos consegue-se garantir uma proximidade aos locais de trabalho e em alguns casos está incluído um passe anual para os transportes públicos.
- – Este sistema com todas as vantagens que daí advém tem já uma longa tradição no país existindo cooperativas habitacionais com mais de 100 anos. Estas mesmas cooperativas têm vindo a evoluir constituindo-se como modelos experimentais de auto-gestão social em que nalguns casos se estabelecem objectivos energéticos e ambientais como o caso da “Société a 2000W”.
3 Habitação Acessível – a experiência recente na Suécia
- – O caso sueco é interessante como oposto aos anteriores visto ter uma forte componente estatal na gestão do mercado imobiliário e do seu parque residencial.
- – Cerca de 20% do parque residencial é público, tendo o estado vindo a diminuir o seu stock, embora mantenha regras estritas no controle das rendas.
- – Nos anos 1990 a Suécia procurou mudar a sua estratégia na habitação impulsionando o mercado privado através da conversão da habitação pública em cooperativa.
- – Esta diminuição dos stocks públicos conjugada com o elevado custo das habitações fez com que fossem criadas listas de candidatos à aquisição de rendas, sendo 100.000 em 2000 e 550.000 em 2016.
- – Procurando-se controlar as bolhas especulativas criou-se legislação que obriga a que as rendas sejam negociadas anualmente envolvendo os factores de valorização da habitação no mercado e a respectiva manutenção.
- – Actualmente o mercado divide-se em 40% de proprietários, 20% em regime locativo privado, 20% em regime cooperativo e 20% em habitação pública.
- – Também os elevados custos da construção nova naquele país cujo clima obriga a estratégias de pré-fabricação e construção rápida, estimulou o aparecimento de um conjunto de empresas como a Lindbacks que procura optimizar os processos de construção – o seu ratio é de 800 habitações modulares por ano.
Este tipo de casas de madeira é muitas vezes construído pelos próprios proprietários, adivinhando-se por que é que um certo espírito IKEA nasceu ali.
- – O enquadramento legal do direito à habitação torna a Suécia num caso paradigmático do respeito pelas condições habitacionais exemplares, aplicando-se transversalmente a toda a sociedade.
A hiper-regulação sueca não deverá ser um modelo com eficácia em Portugal pois obriga a constantes verificações demográficas e de mercado, no entanto o seu enquadramento legal deverá ser inspirador na definição dos standards habitacionais. Também a organização social que permite o funcionamento da iniciativa cidadã Suíça não está ainda suficientemente implementada no nosso país para representar uma solução global para o problema, devendo no entanto ser estimulada. As experiências mal sucedidas do passado (como o caso da EPUL em Lisboa) mostram-nos que a intervenção pública se deve concentrar na criação de legislação para habitação acessível. No imediato no nosso país é necessário definirem-se linhas de acção legislativas similares às francesas que defendam a construção nova acessível nas periferias pelo sector privado com estímulos fiscais, mas também planos que penalizando o congelamento e o Alojamento Local excessivo (antes dos turistas os habitantes) nos centros das cidades incentivam bancos e proprietários a escoarem os actuais stocks para o mercado acessível. ◊