Media, metodologia e arquitectura: MEDIATÉKHTON
Por Jorge Duarte de Sá
Os media refletem hoje uma dinâmica indiscutível em muitos campos das competências e das relações humanas, abrangendo aspectos sociais, económicos, culturais e mesmo espirituais, tornando-se assim “extensões” do próprio ser humano (McLuhan, 2008). A Arquitectura revela uma identidade e um pensamento na sua postura formal e temporal face à realidade; esteve desde sempre associada a um paralelismo entre estrutura e conceptualização, estética e extra estética 1, funcionalismo e ornamento. No entanto, como refere o arquitecto Juhani Pallasmaa «A arquitectura também negociou entre a dimensão cósmica e humana, entre a eternidade e o presente, entre os deuses e os mortais. A arquitectura desempenha um papel central na criação e na projecção de uma imagem idealizada de uma determinada cultura» (Pallasmaa, 2012, p.18). Podemos afirmar que esta é caracterizada por duas vertentes distintas: a física, ligada a um conceito tectónico e material e a vertente simbólica, imaterial e sensível. No entanto, na intermediação destas duas vertentes parece existir na arquitectura uma superfície que a torna comunicante independentemente da estrutura, da função ou da simbologia. Como refere Pallasmaa «A arquitectura como forma artística é fundamentalmente relacional e dialética.» (Pallasmaa, 2012, p.48). Esta superfície ou “plano” que se desmaterializa torna-se evidente nos edifícios de convergência como por exemplo os espaços religiosos onde, através de pintura, desenho, objectos, luz ou som se cria uma interface comunicante. O “plano” comunicante que caracterizou o espaço sagrado expandiu-se ao espaço de sueto e cultura, aliado ao desenvolvimento das novas tecnologias, transformando-se num suporte cinético. Podemos afirmar que esta superfície ganhou primazia sobre a estrutura física. São exemplos, o pavilhão Philips de Le Corbusier para Exposição de Bruxelas em 1958, o centro Georges Pompidou de Renzo Piano (1977), as instalações Dwelling for Toquio Nomad Woman (1989), Dreams (1991), o projecto Media Library (1997) e a Wind Tower (1986) de Toyo Ito.
Outras formas de fazer a arquitectura foram implementadas com o aparecimento das novas tecnologias media. Como refere James Wines «A arquitetura irá ser meramente uma condição: tudo desaparece, tudo passa através de… não estamos mais envolvidos na forma mas sim na ideia» e refere também «a parede torna-se um filtro que recebe e transmite informação» (Puglisi,1998, p.62). Esta ideia também foi defendida em tom profético numa abordagem efabulada por Louis Kahn no texto dedicado à parede. 2
A transparência e o plano comunicante são experimentados pelos media na arquitectura que aborda precisamente os conceitos de imaterial, sensorial e multimediado. Desta conformidade, a arquitectura abandona certos aspectos que a caracterizam, como por exemplo, a ligação total à componente tectónica ou à estrutura funcional fechada. A integração da vertente media na disciplina traz novos desafios na dinâmica do espaço e dos edifícios, incentivando também a reabilitação de espaços existentes.
Assiste-se ao aparecimento de métodos, instrumentos e conceitos que desenham novas formas de expressão artística, bem como a criação de novos conceitos. Os limites da Arquitectura tornam-se cada vez mais ténues nas suas fronteiras, podemos afirmar que a tecnologia, principalmente ligada ao universo media, foi responsável por esta fusão tornando assim o campo artístico num fluido híbrido onde as fronteiras se diluem e aumentam as interpretações das inúmeras possibilidades criativas e expressivas. A entrada das tecnologias media no campo artístico vieram trazer algumas indefinições na classificação de obras quanto ao campo de intervenção. Quer isto dizer que observamos obras no campo das artes visuais que se tornam peças de design e peças de escultura que se transformam em estruturas arquitectónicas e entre elas parece existir um elemento aglutinador: os media.
É um facto que explorar a ideia de uma arquitectura associada às novas tecnologias media poderá afastar-nos do conceito endémico que a caracteriza, estando este associado intrinsecamente ao desenho, materiais, estruturas, organização espacial e ambiental. No entanto, a realidade tecnológica digital abre novos campos de intervenção apelando à investigação onde a interactividade e experiências sensoriais poderão estar incluídas. A expansão global dos sistemas electrónicos na difusão, transmissão, reprodução de imagens, sons e carateres é uma realidade que chegou a todas as áreas disciplinares, infiltrando-se dissimuladamente nas nossas consciências e na nossa percepção.
As artes são possivelmente a área onde as tecnologias media vieram quebrar laços profundos com a tradição clássica, criando suportes de exibição, como a televisão, o vídeo, o computador. Nos últimos vinte anos também a arquitectura contemporânea foi profundamente alterada com o advento da tecnologia de computação e informação. A disseminação de processos de produção e fabricação assistidos por computador têm actualizado o papel tradicional da geometria na arquitectura abrindo-se um novo campo de possibilidades proporcionadas pela topologia, geometria não-euclidiana, design paramétrico e outras áreas da Matemática. Também a convergência do design, engenharia e tecnologias estão a criar uma nova prática em arquitectura experimental. Esta mudança é definida como uma síntese dinâmica de princípios emergentes de espaço, onde o material estrutural é ordenado e integrado por meio da aplicação de materialização e tecnologias de fabricação estando presente em trabalhos de Frank Gehry, Martin Bechthold, Barkow Leibinger, Fabian Scheurer.
Neste novo paradigma da criação artística, é interessante verificar a convergência das áreas e coalescência de disciplinas que desfocam alguns dos seus parâmetros e premissas de forma a intercambiar experiências, tornando-se quase indistintas as áreas de acção. Esta alteração criou novos tipos de intervenções, transformou processos criativos e subverteu a ideia de obra de arte, fundindo estética e técnica. A convergência de criadores operada pelos media reúne hoje, arquitectos, pintores, designers, escultores, coreógrafos e encenadores num mesmo campo de trabalho, mas é importante constatar que a convergência se estende também a áreas que operam em sistemas e objectivos distintos (como na Ciência) onde o pensamento racional e as metodologias orientam processos de investigação objectivos e precisos.
No campo da arquitectura assistimos à integração dos media na sua metodologia, passámos de uma metodologia bidimensional que dava primazia aos planos ortogonais e às coordenadas x,y, para uma metodologia tridimensional que opera directamente no espaço virtual operando nas coordenadas x, y e z desde a concepção da ideia à concretização final da obra.
A inclusão das novas tecnologias media no projecto de arquitectura é uma realidade e algumas questões se colocam com a sua versatilidade: dado o número excessivo de edifícios que perdem dinamismo e que deixam de estar activos na sua função endémica, poderão as tecnologias media ser um elemento de reabilitação de espaços arquitectónicos? A reabilitação tornou-se um processo importante a nível arquitectónico e urbano, promovendo a renovação e reactivação de espaços que perderam funções e dinâmicas por estarem dessíncronos com o tempo actual ou simplesmente porque iniciaram um processo de deterioração e degradação. É possível utilizar as novas tecnologias numa tentativa de reabilitar espaços, não numa componente estrutural mas numa componente visual, comunicativa, interactiva e fundamentalmente estética. Outra questão se torna pertinente centra-se na especificidade do espaço: que tipo de espaço é viável ter uma reabilitação através dos novos meios tecnológicos? não desvirtuando a sua função ou finalidade? O campo das tecnologias media na Arquitectura actua nos espaços, nomeadamente em fachadas de edifícios, dando-lhes uma componente comunicacional com o utilizador do espaço público mas também com o do privado, a denominada media facades 3. Estas experiências adquiriram um carácter de grande significado na dinâmica dos espaços, reativando, inovando e interagindo com os habitantes. Tratando-se a Arquitectura de uma disciplina projectual, em que o processo e metodologia se traduzem numa concretização operativa, a inclusão da componente media necessita de uma coordenação, desenho de projecto e fundamentalmente de integração, adaptada ao objecto arquitectónico. Esta postura atitudinal, por si, já introduz uma nova componente, não só no objecto arquitectónico, como na metodologia projectual. O elemento media torna-se assim um novo componente agregado à metodologia influenciando todo o desenho do edifício. ◊