Eco-visionários
Os factos e as revoluções necessárias
Por Paula Melâneo
Após Utopia/Distopia, o MAAT propõe uma segunda exposição-manifesto, Eco-Visionários: Arte, Arquitetura após o Antropoceno, para ver até 8 de Outubro.
Este projecto convoca mais de 35 autores de diferentes áreas, artistas e arquitectos a contribuir para a reflexão sobre o Antropoceno — expressão popularizada neste século para definir a possibilidade de uma nova época geológica, marcada pela acção humana no ambiente natural terrestre —, na contemporaneidade e no que se seguirá.
A influência do homem nos sistemas da Terra tem sido crescente, como agente activo — e nocivo — na mudança das condições naturais do nosso planeta: desde o avanço científico na compreensão e conhecimento dos fenómenos da Natureza e seu pretenso domínio, à exploração e esgotamento de recursos naturais, até à criação de lixos tóxicos, como os radioactivos de origem nuclear, que levam milhões de anos (atingindo períodos temporais próximos dos das próprias eras geológicas) para serem neutralizados.
A necessidade de pensar de modo crítico e criativo sobre estes problemas de escala global afigura-se ainda uma realidade adiada para o indivíduo, fazendo apenas parte da discussão objectiva de algumas comunidades, como activistas, ambientalistas, artísticas, científicas ou determinados círculos políticos. Apesar da informação estar disponível e os meios de comunicação darem a conhecer os factos, o público geral parece protelar a reflexão e actuação que deveria ser central e quotidiana nos dias de hoje.
As realidades sociais e a económicas tendem em direccionar o cidadão comum para preocupações de índole individual e necessidades pessoais, contrariando a própria condição de globalização da humanidade que o avanço tecnológico e a expansão de redes mundiais tem vindo a permitir, o que nos levaria a supor evidente a transversalidade da reflexão e a construção de acção conjunta.
Eco-Visionários levanta estas questões através de instalações e obras em diferentes suportes, como vídeo-arte, escultura ou fotografia, que ilustram 4 temáticas que reflectem a urgência dos temas tratados: Desastre; Coexistência; Extinção e Adaptação. As várias abordagens cruzam arte com tecnologia, com documentação concreta de factos reais ou com visões mais abstractas, distópicas ou utópicas. Entre o humor e a responsabilização, apelam a uma consciência ecológica que tarda em se efectivar.
Desastre sugere uma análise mais dramática. Aqui encontramos Western Flag, a simulação realista de John Gerrard que num vídeo em loop de 24 horas, de uma bandeira de fumo a ser produzida em continuidade, nos sugere que continuamos a consumir embora muitos dos recursos estejam já esgotados, como, neste caso, os dos solos das explorações de petróleo em Spindletop no Texas. O colectivo HeHe apresenta Prise en Charge, Catastrophes Domestiques nº2, onde aponta o dedo para o público: uma ficha eléctrica com aspecto comum deita uma baforada de fumo, mostrando como as exigências de conforto doméstico do mundo actual não são incólumes e têm também consequências ambientais.
Wasted Rita, na sua ironia de palavras, está presente com a instalação Dream Less Mess, onde uma cartomante faz a leitura de narrativas que possam trazer transformações ecológicas para o futuro.
Em Coexistência são observadas relações de “causa-efeito” e os seus padrões geográficos. A descaracterização local e a desestabilização dos territórios reflecte-se a nível global. Unknown Fields Division, com Lithium Dreams levantam a questão de até que ponto as ditas energias limpas e sustentáveis — como as baterias de lítio — são também impactantes no território e na cultura local onde se faz a extração das matérias primas. Diller Scofidio + Renfro (DS+R) estão aqui presente com EXIT, um mapeamento de migrações relacionadas com as alterações climáticas, mostrando como as deslocações de população podem originar situações de crise face à identidade e cultura indígenas.
Extinção sugere um novo ciclo de esgotamento, onde determinadas espécies desparecerão e outras vão sofrendo mutações, para granatir uma adaptação e uma continuidade. A peça central desta secção é win > < win de Rimini Protokoll, um colectivo que se dedica a instalações teatrais. Esta obra leva o visitante a participar de um discurso que coloca o ser humano em desvantagem a uma medusa, como ser de maior capacidade de sobrevivência nas condições ambientais adversas actuais e em degradação exponencial num futuro próximo. Eva Papamaragariti criou digitalmente Precarious Inhabitants, novos seres que poderão surgir adaptados às novas condições ambientais criadas pelo homem, mas a que ele próprio pode não sobreviver.
A última secção, Adaptação, pretende abrir uma janela de possibilidades. Miguel Soares mostra-nos em Place in Time a nossa insignificante existência numa linha temporal de eras geológicas. Mas haverá possibilidade de reverter a situação mitigando a catástrofe iminente? São várias as respostas artísticas, Skrei construiram Biogas Power Plant, uma unidade para dotar os ambientes domésticos de autossuficiência energética, como nova forma de vivência quotidiana; Dunne & Raby propõem Designs for an Overpopulated Planet: Foragers um conjunto de objectos que vão permitir transformar a digestão humana, para que possam tirar o máximo partido nutricional da alimentação que lhes é permitida pelo ambiente degradado em que vivem.
As respostas são criativas aos diferentes cenários. Cruzam-se culturas underground e de resitência com tecnologia e análise factual permitindo, no conjunto, levantar novas questões e elaborar um conjunto de soluções, mais ou menos especulativas, para um futuro já demasiado próximo. O que foi visto no passado como progresso e avanço, é hoje visto como prejudicial. Após a grande revolução tecnológica, o que se prevê como a nova revolução possível, na lógica da própria sobrevivência do homem é uma revolução ecológica, no pensamento e na acção.
Mais do que propor visões utópicas, soluções concretas e visionárias de problemas, Eco-Visionários posiciona-se como um modo de estar, observar e criticar a realidade e o ambiente.
De um ponto de vista formal, a exposição tem demasiadas obras para uma leitura atenta de cada e o seu encadeamento no conjunto total. O espaço labiríntico do MAAT não facilita essa leitura nem a percepção da separação entre cada temática.
A exposição em Lisboa faz parte de uma colaboração de quatro instituições museológicas internacionais que organizam 4 exposições paralelas. Complementa-se de um livro/catálogo editado pela Hatje Cantz, com diversos textos e ensaios que permitem um desenvolvimento mais aprofundado das problemáticas expostas, cruzando as perspectivas das quatro instituições implicadas. ◊
MAAT, Lisboa, Portugal — 10 Abril a 8 Outubro
Bildmuseet, Umeå, Suécia — 15 Junho a 21 Outubro
HeK Basel, Suíça — 30 Agosto a 11 Novembro
LABoral, Gijon, Espanha — 28 Setembro 2018 a 22 Abril 2019