…If we lose the time before us
The future will ignore us
We should use it, we could use it…
Lessons in love, Level 42, 1987
Arquitectura é sinónimo de forma, disposição correcta das coisas, estrutura, estratégia…Atributos que podiam fazer-nos dar como certo que ninguém como os arquitectos, seus protagonistas por direito e dever, teria especial aptidão para ter claro o que é importante, conceber, projectar e executar. Todavia, aquilo que é a Ordem dos Arquitectos (OA), hoje, e aquilo que foram os seus 20 anos de existência, são um bom motivo para questionar tal assunção.
Ainda que seja forçoso reconhecer que nestes 20 anos a OA foi motor de conquistas para a profissão e evoluiu enquanto instituição, também é forçoso reconhecer — especialmente porque somos arquitectos e julgados pelos resultados — que essa evolução foi pequena, claramente desproporcionada face ao tempo e, acima de tudo, que o que temos nos serve mal.
Seja trabalhando “por conta própria…”, “Como sócio, administrador ou gerente de uma sociedade…”, “Como trabalhador nomeado ou contratado para funções públicas…” ou “…Como trabalhador de outro arquiteto, de outros profissionais ou de uma pessoa coletiva” 1 , os arquitectos têm enorme dificuldade em descobrir no seu quotidiano contributos da sua Ordem. O “estado da arte” da profissão no que toca à relevância do aporte dado pela OA à profissão é — não tenhamos medo das palavras — medíocre.
O contraste com uma cultura arquitectónica local, reconhecida e pujante, torna o retrato tanto mais inexplicável quanto impiedoso. É todavia ainda pior e mais preocupante que essa seja já uma velha imagem, a que se associa uma outra: a de uma instituição para a qual os arquitectos olham com indiferença, à qual atribuem falta de préstimo ou, pior, que consideram inútil. A sua persistência, justa ou não, espelha não só um permanente gorar de expectativas como alimenta o afastamento e, com ele, a falta de compromisso para com a ética que o exercício da profissão impõe.
A imagem é tão persistente como os argumentos evocados para a justificar: a juventude da instituição, a falta de meios, uma qualquer herança (de preferência intangível) ou mesmo o contexto social adverso e insensível (nada como dizer que nos cai água na cabeça porque chove lá fora) — usados isoladamente ou em combinações diversas, com pertinência ou mero cinismo.
Entretanto, o tempo, inclemente, passa…
Não temos como impertinente buscar no passado explicação para o presente. Há com certeza lições a tirar. Assim como haverá com toda a certeza quem se sinta impelido a isso, pela presente efeméride ou outro qualquer motivo menos festivo. Mas, para quem exerce a profissão, o desajuste entre aquilo que ela nos exige e o que o seu quadro institucional nos oferece torna esses exercícios irrelevantes face à urgência de viver um melhor estado de coisas.
Propomos aqui explorar algumas pistas nesse sentido.
A Lei e a arte
Não há como começar senão pelo fim, pela missão da OA, por aquilo que é a razão de ser da instituição e o seu dever perante os portugueses: “…assegurar a salvaguarda do interesse constitucional por um correto ordenamento do território, por um urbanismo de qualidade, pela defesa e promoção da paisagem, do património edificado, do ambiente, da qualidade de vida e pelo direito à arquitetura.” 2 O contrato, entre os arquitectos e a sociedade portuguesa, é este e só este. 3
Há que o ler tendo presente que uma Ordem (em rigor: Associação Pública Profissional 4 ), seja ela qual for, não tem qualquer pertinência se não constituir, na prática, uma garantia para os que não comungam da profissão. Uma garantia de que os detentores de um conhecimento especializado o vão pôr ao serviço dos demais, usando o melhor das suas capacidades. É nesse propósito que se funda a delegação de poderes públicos numa associação de profissionais, não a defesa dos interesses dos seus membros — uma realidade que os arquitectos parecem ter pouco presente.
Um propósito que a OA — como as demais associações profissionais — deve servir sendo guarda das Legis Artis (Leis da Arte) e juiz da sua aplicação. Um desígnio que não é possível (continuar a) subalternizar, ou mesmo substituir, pelo corporativismo, o assistencialismo ou o mero recreio.
O que é sintoma e consequência da distância que os arquitectos mantêm da ética e deontologia profissional. Não investindo em mais do que estabelecer, de forma mais ou menos consciente, uma visão pessoal de ambas. O que sendo importante, diríamos mesmo fundamental, deixa de fora um dado crucial para o seu quotidiano: a visão abstracta que a sociedade constrói da profissão e o valor que lhe atribui. Paradoxalmente, já a deficiente valorização do seu próprio trabalho é uma queixa que expressam constantemente.
A ideia do Estado enquanto determinante inevitável do nosso destino colectivo continua a ser dominante, alimentando e justificando a passividade. Como se não tivessem os portugueses, pela mão do seu Parlamento, determinado exactamente o contrário: confiar aos arquitectos a sua profissão. Igualmente paralisante é a concepção de que uma norma ou um código de conduta é tão só um mecanismo de repressão. Como se não fosse sobretudo um mecanismo de protecção dos profissionais, da profissão e modo de garantir aos cidadãos o acesso à melhor arquitectura. Ou ainda, um forma de afirmar publicamente esse compromisso.
A tomada de consciência pelos arquitectos daquilo que é o seu poder/dever é o fundamento inevitável de qualquer transformação da sua relação com a sociedade. O que implica não só a actuação da sua representação colectiva (OA) como a sua acção (individual), nomeadamente sobre a primeira. Os desafios nesta matéria são tão colectivos quanto individuais, cruzam-se, e implicam uma profunda transformação da relação entre ambas as esferas.
As Leis da Arte
Arquitectura e arquitectos, disciplina e ofício, são indissociáveis. Não há uma sem a outra.
Mas a falta de atenção da OA ao apoio ao exercício da profissão vem alimentando uma visão em dicotomia: a de que importa escolher uma parte em detrimento da outra. Que importa reclamar uma “ordem da profissão” e não “da arquitectura”. Como se o fim dos arquitectos não fosse a arquitectura. Como se fossemos habitantes do projecto ou processo e não da obra. Não somos, como resulta claro, adeptos dessa visão. Mas reconhecemos sem hesitação a justiça da reivindicação por mais atenção ao exercício do ofício.
O que importa fazer com enorme urgência não é, todavia, abdicar do que temos, excluir uma parte em favor de outra, mas sim trabalhar para assegurar o todo. O que passa por apostar na produção de conhecimento e mecanismos de apoio à prática que a tornem mais informada e competente. É aliás esse o mais basilar fundamento da OA, amplamente presente nas suas atribuições estatutárias.
Evitando a discussão sobre a entidade da profissão, a OA, para que não nos dispersemos, e olhando apenas para o que esta é segundo o seu estatuto, o que são os seus actos próprios 5 e os “modos de exercício da profissão” que antes citámos, quase tudo parece por fazer. Mesmo se nos cingirmos ao velho estereótipo do arquitecto-autor, à testa do projecto, ou à testa do seu atelier, a ausência de disponibilidade de informação útil é gritante, como é gritante a total ausência de termos de referência, métodos e protocolos que guiem o seu quotidiano. E não se olhe esta matéria como uma mera falha de uma assistência prática, algo que é tão só uma “conveniência” para os arquitectos, pois a ausência de regra constitui um óbvio obstáculo ao bom juízo do exercício da profissão, a outra incumbência fundamental da OA. Mas vamos mais longe: a ausência de regra é espelho de uma falta de reflexão sobre o que é o exercício do ofício, e nessa ausência não têm os arquitectos como o defender e discutir com outros, em particular os que o moldam — os decisores políticos e entidades públicas — e mesmo os seus clientes. Não são condutores do seu destino mas sim passageiros.
A produção e prestação de conhecimento sobre o exercício da profissão é, de resto, algo que o EOA consagra, e não só de forma genérica, prevendo instrumentos formais para que isso aconteça: colégios “…com funções de estudo, formação e divulgação…” 6 .
A curta vida dos colégios 7 vem demonstrando as suas virtualidades enquanto instrumento — manifestas na organização de iniciativas ou no lastro dado à pronúncia da OA sobre matérias sectoriais — mas estão ainda assim longe de cumprir integralmente o seu fim. A sua actividade é ainda demasiado irregular e limitada nos resultados, em particular no que toca ao estudo e produção de instrumentos de apoio à prática profissional. O que torna ainda mais inusitados e preocupantes os sinais da potencial perversão do seu propósito, transformando-os em não mais que uma espécie de reserva de caça dos que neles estão inscritos. Veja-se a recente e sintomática re-denominação do “Colégio de Especialidade de Urbanismo” em “Colégio dos Arquitectos Urbanistas”. A mudança de enfoque é nítida: do conhecimento para o indivíduo, do interesse geral para o particular, da estrutura de missão para a estrutura de oportunidade.
Um olhar sobre os actos próprios da profissão, exclusivos e não exclusivos, os seus modos de exercício, oferece uma panóplia infindável de hipóteses de trabalho.
Não considerando que haja conhecimento que se possa excluir, que seja excessivo ou desprezível, parece-nos importante que se dê prioridade a dois campos: os métodos para exercício da profissão, no sentido de possibilitar o seu melhor escrutínio; a tecnologia, no sentido de proporcionar instrumentos de apoio e informação.
Tentando concretizar, no primeiro campo, pensemos na “cultura do projecto”, ou seja, naquilo que deve ser o modo de fazer, no exercício da profissão enquanto prestação de serviços: o que deve ser feito, por quem, com que metodologia, com que expressão material, etc. Dir-nos-ão que, quanto ao projecto isso existe, que existe até mais do que uma. É um facto. Temos de usar como referência a Portaria n.º 701-H, no caso de encomenda pública, temos de usar variadas adaptações da mesma, expressas ou tácitas, em processos de autorização administrativa; no caso de encomenda privada podemos continuar a usá-la ou socorrer-nos da NP-4526, relativa aos “Serviços prestados pelo arquiteto e pelo arquiteto paisagista no âmbito da construção” 8 , ou ainda qualquer outra referência determinada pelo contexto ou cliente. Parece-nos demais (naturalmente e em particular naquilo que diz respeito às prestações de serviços em Portugal e sob tutela da OA). A abundância de possibilidades e variantes induz uma enorme incerteza sobre aquilo que deve ser feito, compromete a avaliação e comparação de serviços, assim como origina riscos e encargos acrescidos para os profissionais. Propor a adopção gradual de uma cultura de projecto, parece-nos um propósito fundamental para o futuro da profissão.
No segundo campo, da tecnologia, há por um lado que reconhecer e antecipar os seus impactos, por exemplo na referida “cultura do projecto”, e, por outro, tirar dela partido para disponibilizar informação e instrumentos de trabalho. Como sucedeu com todas as grandes transformações tecnológicas, se as tecnologias de informação num primeiro momento se moldaram aos hábitos, passaram seguidamente a dominá-los e ser o seu principal factor de transformação, proporcionando novas formas de fazer. É exemplo disso a passagem do CAD para o BIM 9 . Se o primeiro era desenho assistido por computador, o segundo abre a porta à eliminação do desenho enquanto suporte central da resposta à encomenda, a mudança não é pequena nem negligenciável.
O mundo pós-internet proporciona não só acesso a um volume incomensurável de informação, como permite a partilha de instrumentos de trabalho que não só o facilitam, como são um factor indutor da antes referida partilha de métodos, de que é exemplo a “Calculadora de Custo de Projecto” patente na “Plataforma da encomenda” disponibilizada pela Secção Regional Sul desde 2015. Um caminho que importa aprofundar. Ou ainda, olhar a tecnologia da construção como peça fulcral do exercício profissional, dedicando-lhe maior e melhor cuidado do que actuar enquanto mera correia de transmissão de interesses comerciais.
Por outro lado, a dinâmica de transformação permanente em que vivemos já não permite que se olhe o exercício da profissão, a carreira profissional, como um quadro estático ou sequer estável. Se a transição entre o percurso académico e a vida profissional se agudizou, por esta ser cada vez mais abrupta, também as variações permanentes de contexto no exercício da profissão impõem a actualização permanente do conhecimento ao longo da carreira. Já não é possível perspectivar a capacitação para o exercício de um ofício com base em estereótipos — como a formação base — ou em abstrações — como os anos de prática profissional. Impõe-se olhar para a capacitação profissional e o reconhecimento das qualificações como uma tarefa permanente. Essa é hoje uma necessidade transversal, assumida e expressa no “Quadro Europeu de Qualificações para a aprendizagem ao longo da vida” que decorreu de Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2008, e transposto enquanto “Quadro Nacional de Qualificações” 10 .
Uma exigência para a qual a OA tem o dever de encontrar resposta, desde logo porque é uma das atribuições — leia-se deveres — inscritas no seu estatuto 11 , que implica uma transformação das suas práticas. Seja re-equacionando o estágio, seja assumindo a formação como uma necessidade permanente e não tão só enquanto um produto comercial da própria OA. A manutenção de curricula profissionais por parte da OA, ou a inclusão da formação como um direito dos seus membros — por isso gratuito — parecem-nos passos fundamentais para promover a capacitação permanente. O propósito, dar acesso ao melhor conhecimento e às melhores práticas, não deve ser entendido como um encargo interno, ou exclusivo da OA, mas um esforço que explore redes e parcerias com instituições congéneres, com instituições de ensino, e outras, que permitam consumá-lo. Uma das maiores transformações induzidas pela internet foi a livre troca de conhecimento, nomeadamente através da livre iniciativa dos seus utilizadores, suportada na exploração de formatos que se vão sucedendo: fóruns, wikis, blogs, redes sociais… Os arquitectos vão, aliás, fazendo uso deles para discutir a profissão, partilhar experiências e instrumentos de trabalho, informação de toda a sorte. A disponibilização pela OA de uma rede interna — uma intranet — um suporte onde os seus membros possam encontrar informação e partilhar, cuidar e discutir, as leis da sua arte de forma organizada não é um projecto de ida à Lua. Mas um contributo elementar para a sua razão de ser e o envolvimento dos seus membros. Se a OA é a porta de entrada obrigatória para a profissão, deve-o ser de forma plena e não apenas para cobrar portagem.
Que Leis para a arte
A ética, para o caso a ética profissional, transporta consigo a ideia de construção de um carácter, a que associamos a prevalência de valores. A formação de um carácter colectivo, de uma estrutura social, comporta a imposição de escolhas sobre o que deve (e não deve) ser feito, por via da sujeição dos indivíduos a normas, a deveres, a uma deontologia. Uma deontologia que assegure o cumprimento da sua missão social e, acrescentamos, alimente a criação de uma (boa) reputação.
Uma deontologia comporta uma inevitável tensão entre indivíduo e colectivo e, naturalmente, perde qualquer sentido se não servir o seu propósito: o contrato social que traduz e a relevância prática para os indivíduos a ela sujeitos, orientando efectivamente escolhas para a superação de dilemas.
A deontologia imposta aos arquitectos em Portugal, tem uma característica particular: a estabilidade. Olhando o Regulamento de Deontologia em vigor (em rigor: Regulamento de Deontologia e Procedimento Disciplinar), publicado em 2016, após a entrada em vigor da nova redacção do Estatuto, descobrimos na essência o Regulamento de 2001, fortemente influenciado pelo Código de Ética do Conselho dos Arquitectos da Europa de então e as recomendações da União Internacional dos Arquitectos, aprovadas na sua 21.ª Assembleia, em Julho de 1999 (!). Não é por isso de estranhar que, embora recente, não cuide de abordar questões que o tempo decorrido nos trouxe e a sua jovem obsolescência.
Mas mais do que assinalar a falta de reflexão local sobre a ética da profissão, quando tanto mudou e foi exposto, quer pelo passar dos anos, quer pelos incidentes de percurso — como o impacto da profunda crise financeira da ultima década — estranha-se a falta de reflexo dos ajustes introduzidos nos documentos internacionais que lhe serviram de referência. Com ênfase no que se passou a designar “Código Deontológico Europeu para os prestadores de serviços de arquitectura” (CDE), seja na sua redacção de 2005, seja na que veio a adoptar em 2016 12 . Porquanto aportam contributos significativos para temas para os quais reclamamos solução de forma recorrente.
Sendo impossível abordar aqui exaustivamente o CDE e as alterações nele introduzidas, transcrevemos, seguindo a sua matriz, algumas determinações que nos parecem particularmente significativas, sobretudo em comparação com o que temos.
Quanto às “Obrigações Gerais — Competência, integridade e profissionalismo”:
“1.6 Nenhum fornecedor de serviços de arquitectura deve propor honorários a menos que tenha informações sobre a natureza e o objectivo do projecto, de forma a permitir à proposta que cubra adequadamente o trabalho ou o valor dos serviços prestados. Qualquer proposta de honorários deve ser baseada em um ou mais dos seguintes elementos, quando permitidos por lei:
• Método imposto pela lei nacional;
• Documentos de referência objectivos que permitam o cálculo dos honorários;
• O valor/hora dos recursos humanos;
• Uma remuneração calculada do custo/hora, incluindo despesas gerais, salários e uma margem apropriada para lucro e risco;
• Um valor global acomodando o custo/hora dos recursos humanos e materiais necessários, bem como despesas gerais, salários e uma margem apropriada para lucro e risco que permita, pelo menos, um nível adequado de reinvestimento em formação e equipamento.”
Quanto às “Obrigações para com o interesse público”:
“2.1 Os prestadores de serviços de arquitectura devem respeitar e contribuir para a preservação e desenvolvimento do meio ambiente, do sistema de valores e do património natural e cultural da comunidade na qual eles concebem arquitectura. Devem pugnar não só pela melhoria do meio ambiente através da mais alta qualidade de projecto, mas também para melhorar a qualidade de vida e o habitat dentro dessa comunidade de maneira sustentável, levando em conta o uso eficiente de recursos. Isso inclui o consumo de energia e a conservação da água, reduzindo o desperdício e as emissões de carbono no contexto da mudança climática global, tendo plena consciência das implicações do seu trabalho para os interesses, no sentido mais amplo, de todos aqueles que se pode razoavelmente esperar que usem ou beneficiem do produto do seu trabalho.”
Quanto às “Obrigações para com o cliente”:
“3.7 Qualquer compromisso profissional do prestador de serviços de arquitectura deve ser objecto de um acordo prévio escrito com o cliente, especificando, em particular:
• A natureza e extensão das suas missões ou intervenções;
• A atribuição e limites de responsabilidades;
• Orçamento ou outros custos relacionados com as suas missões ou intervenções;
• Os honorários devidos, o método de cálculo dos honorários (se aplicável) e as condições de pagamento;
• As circunstâncias que justifiquem a rescisão do contrato.”
Quanto às “Obrigações para com a profissão”:
“4.3 Todos os prestadores de serviços de arquitectura devem pugnar, por meio das suas acções, por promover a independência, imparcialidade, dignidade e integridade da profissão e garantir que os seus representantes e funcionários conformem a sua conduta com este Código, para que qualquer um que lide com um prestador de serviços de arquitectura possa fazê-lo com confiança e se sinta protegido da incompetência ou declarações falsas ou enganosas.
4.4 Os prestadores de serviços de arquitectura não podem discriminar com base em raça, sexo, religião, deficiência, estado civil ou orientação sexual.
4.5 Todos os prestadores de serviços de arquitectura devem garantir o pagamento justo e apropriado da sua equipa, incluindo todos os estagiários e estudantes a adquirir experiência prática de trabalho.”
Estamos em crer que a maior parte do transcrito será reconhecido como pertinente ou, ao menos, digno de debate. Assim como causará alguma surpresa e estranheza, seja pela expressão específica de alguns deveres a que não estamos habituados, seja pela inclusão na esfera da profissão daquilo que em sentido estrito não é dela específico, como sejam as práticas discriminatórias. Estes aspectos parecem-nos francamente significativos por constituírem uma elevação do grau de exigência, quer da conduta profissional, quer da reputação da profissão.
Assinalamos, por fim, as possibilidades que podem decorrer da conjugação da referida prescrição de métodos e a menção dos deveres, pela clareza que podem induzir no escrutínio do exercício da profissão.
O quê para quê
É forçoso reconhecer que nada do que aqui referimos é novidade ou especialmente original. Afinal, o que resulta do apelo ao uso do senso comum é tendencialmente banal. O que convoca uma interrogação inevitável: porque são tão difíceis de concretizar coisas tão vulgares?
Uma explicação fácil, confortável e conveniente é a remissão da responsabilidade para a incapacidade daqueles que têm participado da determinação dos destinos da OA. Mas se é certo que as pessoas têm a capacidade de acentuar ou atenuar defeitos e virtudes das organizações, a consistência da incapacidade de concretizar da instituição aponta para a permanência dos factores que influenciam negativamente a sua capacidade de realização. Apontaríamos fundamentalmente para dois factores incapacitantes: a falta de clareza da missão das suas diversas instâncias — regionais e nacional — e a sobre-dependência dos titulares de mandatos. Não há processo ou projecto que não soçobre às mãos de um qualquer conflito institucional ou ciclo eleitoral. De uma disputa sobre quem pode fazer o quê e/ou a dança de cadeiras originada pelos finais dos mandatos. A entropia que esta combinação trágica tem gerado é gritante e vem originando uma organização progressivamente ensimesmada. Será precisamente a quebra da cisão entre a ordem dos eleitos e os demais que importa antes de mais empreender. O que implica uma relação mais próxima entre ambos, uma maior transparência e sujeição ao escrutínio dos titulares de mandatos, um maior compromisso para com a ideia de serviço público.
Olhando a OA como se de uma marca (comercial) se tratasse, à qual o público associa valores. Escolheríamos como objectivo fundamental associar-lhe dois: autoridade e préstimo, traduzindo, na existência e na exigência de conhecimento, o seu compromisso para com o serviço aos arquitectos e à vida dos portugueses.
Talvez, porque como escreveu George Steiner, “nós não temos mais começos”, se possa ao menos revisitar o princípio das coisas e assumir o compromisso de servir plenamente o propósito de uma Associação Pública Profissional .
O que pode ser a OA, recorda-nos o conselho de um professor de liceu: “Se o desenho não tem emenda, não o penteies, vira a página.”
E agora, José?
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
(…)
◊