OPINIÃO

Serviços educativos de arquitectura em Portugal

Crescimento e estratégias

Por Fabrícia Valente
Arquitecta e Mediadora cultural

Falar do Ensino de Arquitectura não deveria ser um tema que se esgote nas discussões dos diferentes cursos ou que se dirija somente ao meio académico. A arquitectura, intrinsecamente ligada ao homem e aos seus modos de habitar e organizar espaço, está longe de se esgotar no projecto de autor ou na obra construída. A arquitectura não pára no tempo: ela transforma-se pelas mutações, usos e reorganizações de todos, mesmo daqueles que tendem a demitir-se dessa responsabilidade.

 

Ora, se todos dela dependem e a manipulam, como podemos continuar a ter um sistema de ensino básico tão distantes deste campo disciplinar? Porque se continua a incutir nas crianças que “arquitectura é desenhar casas”? Como podemos exigir que os cidadãos entendam e melhorem as cidades se tão poucas ferramentas recebem para tal? Ensinar arquitectura é ensinar regras de viver em sociedade, é fomentar o entendimento dos espaços onde crescemos, estudamos, trabalhamos. Ensinar arquitectura é provocar o questionamento a todos sobre as relações que se estabelecem com o meio e a possibilidade de bem-estar que daí pode surgir… e isto não se destina a uma classe, a uma idade, a uma situação geográfica.

 

Desenhar um Serviço Educativo em Arquitectura poderá passar por muitas estratégias, mas deverá ser o mais abrangente possível, de modo a que a médio e longo prazo se traduza num olhar crítico, assertivo e consciente por parte do maior número de cidadãos sobre as cidades que habitam. Para que algo aconteça será necessário que muitas entidades públicas e privadas entendam que a arquitectura é das disciplinas mais elementares e mais abrangentes e que, por isso, falar de arquitectura pode estar incutido de forma mais ou menos evidente em muitos campos disciplinares. Da criação de debates e exposições, a publicações e novas gramáticas, da formação de professores a actividades com a população em geral, o que se tem feito e o que se poderia fazer?

 

Sabemos que o nosso país, apesar de reconhecido internacionalmente pelo valor da sua arquitectura e do ensino na mesma, tem ainda um longo percurso a desenvolver para tornar os discursos sobre o espaço mais acessíveis e democratizados. Poucos são os programas de rádio e televisão assentes na arquitectura e, os que existem, apresentam possibilidades de leitura multidisciplinares ou dirigirem-se somente a arquitectos?

 

Por parte do Ministério da Educação não se tem promovido, nas escolas, a existência de programas para associar as várias disciplinas leccionadas às questões da arquitectura e do habitar; para despertar nos estudantes o entendimento do espaço que ocupam ou até do próprio edifício de ensino. A Ordem dos Arquitectos já desenvolveu pontualmente projectos para aproximar a população ao debate da arquitectura, já realizou algumas sessões pedagógicas, já apoiou programas específicos em que esta dimensão também era contemplada, estabelecendo parcerias com outras instituições, como foi o caso do programa À descoberta da Arquitectura, em 2008, onde vários museus da cidade de Lisboa foram implicados. Mas, ao longo dos anos não tem criado programas permanentes e efectivos em que possamos falar de um serviço educativo.

 

Entidades culturais e instituições museológicas têm, actualmente, desenvolvido o papel de programadores educativos na área da arquitectura. E, se é verdade que até há pouco tempo não tínhamos espaços dedicados à programação em arquitectura, também o é que nos últimos anos, devido a entidades como a Trienal de Arquitectura de Lisboa, produziram-se conteúdos expositivos que entraram também em contextos internacionais. Assim, a reflexão que as exposições impõem, de forma a que os seus discursos possam tornar-se abrangentes e plurais, são cada vez mais suportadas por serviços de mediação e curadoria educativa. Se na maioria dos casos o meio de suporte para as actividades educativas são as exposições, também o podem ser programas independentes elaborados por cada entidade, onde a motivação pedagógica seja um acto contínuo e autónomo.

 

Várias entidades têm contribuído para o crescimento da ideia de Serviço Educativo de Arquitectura em Portugal. São exemplos a Fundação Calouste Gulbenkian, o Museu Colecção Berardo e a Fundação de Serralves, onde importantes actividades pedagógicas na área da arquitectura já foram desenvolvidas, desde a génese dos seus serviços educativos. Mas, neste artigo, iremos destacar alguns programas que, embora recentes, se dedicam de forma mais direcionada aos temas da arquitectura, procurando uma solidez programática e uma ideia estruturada do que são e de como podem vir a crescer os serviços educativos nesta área. Assim, a partir de discursos trazidos através de conversas/entrevistas realizadas em Dezembro 2017, salientam-se os serviços educativos portugueses que mais expandem a educação para disciplina:

 

 

Open House da Trienal de Lisboa, MAAT © Untold
Open House da Trienal de Lisboa, MAAT © Untold
Open House da Trienal de Lisboa, MAAT © Untold
Open House da Trienal de Lisboa, MAAT © Untold
Open House da Trienal de Lisboa, MAAT © Untold
Open House da Trienal de Lisboa, MAAT © Untold

 

 

A Trienal de Arquitectura de Lisboa, a preparar a sua 5ª edição, tem dinamizado os seus programas de forma a alcançar públicos diferentes. Desde a 2ª edição que a ideia de Serviço Educativo se tornou estruturante na sua génese e que a Trienal assume um papel pedagógico na sua missão. Com o intuito de promover o pensamento e a prática da arquitectura, comunica a um público alargado a influência que esta tem na organização da sociedade. Esta premissa confere ao Serviço Educativo uma posição central e transversal a toda a sua programação. Mediador na aproximação à cultura arquitectónica, este Serviço Educativo fundamenta-se na experimentação, em teorias construtivas da pedagogia e da aprendizagem ao longo da vida, para estimular o espírito crítico, promover a expressão criativa e fomentar a participação activa de todos no ambiente construído. Neste sentido, a Trienal tem investido num programa de conferências, debates, encontros na sua sede, ou visitas orientadas às exposições temáticas de cada edição, onde oferece um espaço aberto para o entendimento das dimensões materiais, estética, poética e sociais da arquitectura. Com orientações para os diversos públicos, a Trienal fomenta a aproximação à cultura arquitectónica desde cedo e de forma continuada. Os programas educativos da Trienal são pensados para um público alargado dos 6 aos 99 anos, procurando proporcionar às crianças o desenvolvimento da inteligência espacial e a expressão e, por osmose, sensibilizar as famílias; incentivar nos jovens o pensamento crítico e capacitar para a participação criativa no espaço público; estimular nos adultos o respeito pelo património e identidade cultural e a valorização do território como um espaço colectivo com direitos e deveres iguais para todos. No sentido de tornar a arquitetura e seus discursos acessíveis a todos a Trienal desenvolve anualmente o programa Open House Lisboa, onde a equipa se estende a mais de 200 mediadores para assegurar o papel pedagógico das centenas de visitas que se realizam na cidade.

 

Recentemente inaugurada em Matosinhos, a Casa da Arquitectura procura responder também a este campo educativo. O projecto da Casa da Arquitectura, no espaço da Real Vinícola, é ambicioso tanto na sua dimensão de arquivo, como de divulgação e debate. Neste sentido, Susana Gaudêncio, que anteriormente coordenou o serviço educativo da Trienal de Lisboa, agora coordena este novo desafio e afirma que “estabelecer relações com os diferentes públicos para falar de arquitectura é uma responsabilidade da qual depende o dinamismo de uma instituição como a Casa da Arquitectura. Neste cenário, a existência de um serviço educativo torna-se incontornável”. Tendo como objectivo “promover a diversidade cultural e uma abordagem plural; espaço para a participação das pessoas; espaço de intervenção cultural, social e pedagógica; espaço de mediação, daí ser importante fomentar sinergias e procurar parcerias com outras instituições congéneres tais como: escolas, teatros, associações e clubes de bairro, juntas de freguesia, câmaras municipais, para a activação do pensamento sobre o território que nos rodeia, do ambiente, da paisagem, da cidade, da acção cívica e do diálogo entre disciplinas”. Consciente da importância de chegar a diferentes públicos, o programa destina-se a pessoas de todas as idades e talentos, especialistas e curiosos, e conta com colaboradores de diferentes áreas como a arquitectura, o ambiente, a ciência, a tecnologia, a arte, a literatura ou a educação. Desta forma, o Programa Caleidoscópio desenvolve actividades transversais e integradas nos conteúdos e acções principais de programação anual da Casa da Arquitectura, assentes no seu acervo, colecções e exposições temporárias, relacionando arquitectura e cidadania, promovendo debates, workshops, cursos, oficinas, itinerários e circuitos na cidade.

 

 

Serviço educativo da Casa da Arquitectura © Ivo Tavares Studio
Serviço educativo da Casa da Arquitectura © Ivo Tavares Studio
Serviço educativo da Casa da Arquitectura © Ivo Tavares Studio
Serviço educativo da Casa da Arquitectura © Ivo Tavares Studio

 

 

Salientemos também o exemplo do MAAT, não sendo uma instituição cultural exclusivamente dedicada à Arquitectura, mas cuja programação abraça as relações entre Arte, Arquitectura e Tecnologia. Aqui, entende-se o museu também como uma plataforma de experimentação para desenvolvimento do pensamento crítico e criativo, da expressão individual e o debate — potenciador para a tomada de decisões. Joana Henriques, coordenadora deste serviço educativo, procura que em todas as actividades se mudem paradigmas, não existindo respostas prontas, dando “ao visitante um papel activo, fazendo parte da experiência, procurando-se uma responsabilidade partilhada”, num entendimento do Museu como fórum — “Social Power Plant — como plataforma para a mudança social, espaço de pensamento e ferramenta participativa e interventiva na sociedade”. Toma-se o Museu “como espaço de debate e pensamento sobre o papel dos museus e da educação em museus” questionando o que devem desenvolver na mediação cultural em Arquitectura e que objectivos existem para os diferentes públicos, sendo a consciência do espaço determinante para a percepção e memória da experiência no museu — espaço físico do museu é o primeiro mediador entre o visitante e o museu. Entre visitas temáticas sobre arquitectura, colocando em diálogo os diferentes edifícios do Museu, oficinas criativas onde a arquitectura, a arte e o corpo são peças chave e programas de residência artística para jovens, é um serviço educativo que procura sensibilizar o público, infantil, jovem e adulto para como a arquitectura está presente no dia-a-dia.

Importa também referenciar um espaço expositivo somente dedicado à arquitectura, a Garagem Sul do Centro Cultural de Belém, para o qual a sua mentora, Dalila Rodrigues, imaginou um Serviço Educativo com expressão em vários públicos e capaz de trazer à cidade novos debates sobre arquitectura. Por enquanto, apenas oferece visitas às exposições e concebe pontualmente oficinas de férias para crianças.

 

Devemos olhar os exemplos aqui apresentados como trabalhos fundamentais nos Serviços Educativos em Arquitectura em Portugal, concretizados a partir de profissionais especializados, com a certeza de que toda a sociedade beneficia se estes se diversificarem, especializarem e contaminarem entre si para um país mais desperto para a vitalidade da arquitectura.

 

Contudo, outras perspectivas devem ser criadas de modo a que, num futuro próximo, este tema possa ter muitas outras ramificações. Se olharmos para exemplos estrangeiros, temos nomes como Jorge Raedo que, com formação em Arquitectura e em outras áreas artísticas, não só tem colaborado e desenvolvido programas educativos de aquitectura para museus e universidades, como tem teorizado sobre este tema e desenvolvido outras ferramentas de captação de públicos, como os seus projectos amag – revista de arquitectura para crianças ou a empresas Osa Menor, que desenvolve estudos e actividades sobre educação artística infantil e juvenil.

 

Neste sentido, existem também alguns colectivos de arquitectos portugueses que expandindo o campo de actuação, direccionam também a sua prática profissional à pedagogia. Apresentamos um caso específico que, sem se assumirem como um serviço educativo, também não deixam de o ser: Os Espacialistas. Delfim Sardo apresenta-os como um grupo que se situa “num território híbrido entre a arte contemporânea e a arquitectura, Os Espacialistas — cujo nome foi retirado ao grupo de artistas italianos em torno de Lúcio Fontana que assim se definiam no final da década de quarenta do século passado — centram os seus projectos na compreensão das relações espaciais, na transfiguração e na metamorfose do espaço corporalmente e simbolicamente habitado. Para isso realizam projectos nos quais se centram num lugar (como foi o caso dos projectos Os Espacialistas na mina, ou Os Espacialistas na quinta) para compreenderem as suas relações perceptivas, cognitivas, corporais e políticas específicas e mapeá-las através do uso da fotografia, por vezes do vídeo e da instalação”.

 

 

Oficina do projecto Os Espacialistas no Palácio, Palácio Marquês de Pombal, Oeiras, 2015
Oficina do projecto Os Espacialistas no Palácio, Palácio Marquês de Pombal, Oeiras, 2015
Oficina do projecto Os Espacialistas no Palácio, Palácio Marquês de Pombal, Oeiras, 2015
Oficina do projecto Os Espacialistas no Palácio, Palácio Marquês de Pombal, Oeiras, 2015

 

 

Este grupo de arquitectos tem participado em várias exposições, performances, workshops, actividades de interacção com o público, e chega à população em geral a partir de uma loja onde vendem elementos que materializam desafios espaciais didáticos pensados para todas as idades. A ideia de exploração e partilha é também visível num laboratório de Arquitectura aberto a todos, que criaram na Universidade Lusíada de Lisboa — o L.AR. Aqui, é possível perceber de forma mais alargada a dimensão ensaística dos seus processos de pensar e comunicar arquitectura.

 

Olhando para o futuro, devemos questionar possibilidades de caminhos dentro e fora das instituições. A noção de Serviço Educativo em Arquitectura pode e deve desenvolver-se a partir de muitas premissas como a multidisciplinaridade, a experimentação e a pluralidade. Para tal, os programas educativos necessitam de processos assentes em diferentes meios e suportes, com diferentes agentes enquanto emissores e receptores. Construir é também educar. ◊