REPORTAGEM

Pedagogias de Verão: outros modos de ensinar arquitectura

Por Lucinda Fonseca Correia
Co-fundadora Artéria Arquitectura
A educação é (...) o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens.
Hannah Arendt 1

O que o ensino não ensina

 

O ensino da Arquitectura antecipa as formas através das quais o futuro arquitecto vai decifrar o mundo: identificando os problemas específicos à construção do nosso habitat (artificial) e ao seu uso e definindo modos adequados de qualificação do espaço. Por outro lado, devemos não esquecer que, na vida de cada membro de uma sociedade estabelecida e organizada num tempo e num lugar específicos, existem, pelo menos, duas dimensões estruturais: a sociocultural e a política. A primeira engloba tudo aquilo que tem a ver com o reconhecimento de “nós-mesmos”, ao permitir que os nossos seres privado e público se manifestem de acordo com a representação que a sociedade forja dela própria, já que há uma vinculação dos seus reflexos às instituições, que impõem normas de conduta, fixam a latitude das pretensões de cada um e de todos, sancionam comportamentos e dão sentido às nossas escolhas. A segunda relaciona-nos com o poder, abrangendo as diferentes pedagogias e os processos pelos quais se definem as competências, as profissões, a oferta de serviços e de mão-de-obra que respondem às presumíveis necessidades de cada sociedade. É por aqui que as instituições de ensino nos modelam como cidadãos, e certamente como agentes activos no sistema económico e político que nos rege. Vamos focar-nos nesta segunda dimensão.

 

O ensino no Ocidente, tal como o conhecemos, é filho da Revolução Industrial e dos pressupostos intelectuais do Iluminismo, organizando-se hoje, curiosamente, como uma espécie de “linha de montagem” de futuros profissionais num processo que poderemos considerar de standardização 2.

Como modelo, este processo já provou ser desadequado para corresponder aos desafios das sociedades actuais. As razões disto são múltiplas e complexas. Interessam-nos aquelas que se prendem com o ensino e prática da arquitectura.

 

O nascimento dos cursos de Verão de Arquitectura, a partir do modelo das summer schools americanas, cujo termo foi adoptado pela Europa, coloca-nos, desde logo, algumas questões: estará o ensino da Arquitectura a cumprir a sua missão? Serão os cursos de Verão de Arquitectura um ensino complementar ou alternativo? Quais são os seus ecos na sociedade civil? Será este modelo das summer schools uma compensação das insuficiências pedagógicas do ensino oficial? Sabemos que, hoje na Europa, existem cerca de 240 cursos de Verão de Arquitectura e Design Urbano 3. Muitos destes cursos publicitam uma determinada instituição de ensino (aquela onde normalmente são ministrados) e, porque fornecem ECTS 4 (European Credit Transfer System), tornaram-se quase obrigatórios para qualquer aluno. Estes cursos existem em duas versões: na sua versão ligada ao ensino oficial, muitas vezes em parceria com entidades ou actores locais, como complemento da formação regular, pago e creditado no currículo académico dos alunos; e na sua versão privada, organizado por entidades não governamentais, ateliers de arquitectura, associações ou redes internacionais, sendo ministrado, frequentemente, fora do espaço da Universidade. O termo summer schools refere-se, também, a certo tipo de conferências de intercâmbio internacional.

 

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1. Noutra Costa ©Pedro Campos Costa
2. Terra Amada © Pedro Costa
3. InSitu, Torrão © Pedro Campos Costa
4. Porto-Academy © Ivo Tavares Studio
5. Spaces of Dispossession, 2015 © Tiago Castela
6. Transcrever Bairros Sociais, 2017 © SpaceTranscribers
6. Transcrever Veiga-de-Penso, 2015 © SpaceTranscribers
7. Critical Concrete © Critical Concrete

 

 

Das práticas de eleição às práticas situadas

 

Percorramos os cursos de Verão e os workshops de arquitectura realizados em Portugal nos últimos sete anos. Confrontando as suas temáticas específicas podemos distinguir dois grupos: o daquilo a que chamámos “práticas de eleição”, porque se centram, sobretudo, no reconhecimento de um tipo de prática profissional focada no método de conceptualização e na produção de respostas projectuais, e o que considerámos como “práticas situadas, porque partem de lugares e de situações para convocar a responsabilidade social da Arquitectura pondo em causa a bondade de processos ou metodologias de intervenção, comprometidos politicamente. Relativamente à origem dos cursos encontrámos iniciativas de entidades públicas, privadas ou em parceria.

 

    1. 1. Noutra Costa 5 — Laboratório de Intervenção em Arquitectura promovido pelo Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território, no Verão de 2012 — traz para a agenda da Arquitectura um problema concreto do Bairro das Terras de Lelo Martins, na Costa da Caparica. Trata-se de um bairro informal sem infra-estruturas básicas onde vivem aproximadamente 500 pessoas em casas auto-construí Este workshop, coordenado por Pedro Campos Costa e Filipa Ramalhete, reuniu arquitectos e alunos, colocou-os perante aquele contexto social (politicamente criticado) e lançou um desafio: o que podem fazer os arquitectos naquele território?

      As questões levantadas e a produção de respostas desse workshop abriram portas a futuras acções directas ou de investigação-acção nesse mesmo território: Cozinha Comunitária das Terras da Costa, projecto coordenado pelo Ateliermob, construído pelo Colectivo Warehouse; e Casa do Vapor, num território vizinho, um equipamento público temporário construído pelo Colectivo EXYZT em parceria com agentes locais e a Associação de Moradores do bairro informal da Cova do Vapor, na Trafaria.

 

      1. 2. Terra Amada — iniciativa do Mestrado Integrado em Arquitectura da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional das Beiras, com a coordenação de Ana Pinho, que teve lugar nos verões de 2012 e de 2013 — assumiu como objectivo principal o potenciar das ligações entre a Universidade, os poderes políticos, o sector privado e a sociedade civil. O tipo de pedagogia explorada serviu de repto a professores e alunos de Arquitectura, em regime de voluntariado, para que contactassem com “processos, técnicas e materiais de construção tradicionais”, contribuindo para a melhoria de condições de vida dos habitantes e permitindo ensaiar práticas e metodologias de reabilitação aplicadas a territórios rurais através de diversas intervenções de conservação e restauro de habitações, equipamentos e espaço público, em aldeias do interior, cobrindo sobretudo o distrito de Viseu.

  1.  
  2. 3. InSitu 6 — Laboratório de Intervenção em Arquitectura promovido anualmente, desde o Verão de 2013, pelo Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território em parceria com a Câmara Municipal de Almada/Departamento de Planeamento Urbanístico e Desenvolvimento Económico e com o Vitruvius FabLab do Instituto Superior do Trabalho e da Empresa — tem como objectivo principal abrir novos espaços de actuação em territórios críticos. Partindo de situações reais, estudantes de arquitectura, arquitectos, entidades públicas e comunidades puderam co-construir soluções para problemas concretos. O InSitu (ed. 2013) e o INSITU Action (ed. 2014), coordenados por Pedro Campos Costa, Filipa Ramalhete e Alexandra Paio, na continuidade do Noutra Costa, pretenderam consolidar uma relação de diálogo iniciada com o Município de Almada através da promoção de novas reflexões sobre o Bairro do 2.º Torrão, na Trafaria, numa tentativa de aproximação entre a universidade e a sociedade civil. As edições de 2015, 2016 e 2017 aconteceram, respectivamente, no núcleo de Pêra, no Monte da Caparica, no Presídio da Trafaria (património municipal) e na Zona Industrial Caramujo/Romeira, na Cova da Piedade, todos no concelho de Almada..

  3.  
  4. 4. Porto Academy Summer School 7 — organizado e produzido anualmente, desde o Verão de 2013, pela Porto Academy em parceria com a Archmov, a Câmara Municipal do Porto, a Indexnewspaper, a Indexshop e a MArch, à qual se associaram a Casa da Arquitectura e a Faculdade de Arquitectura, da Universidade do Porto enquanto co-organizadores. Apresenta-se do seguinte modo: “um curso de Verão independente como elogio à Escola de Arquitectura do Porto”, que o acolhe, de acordo com Amélia Brandão Costa e Rodrigo da Costa Lima. Nele se explora a relação entre a academia e a prática profissional, através de diversos workshops, conferências e visitas de estudo que reúnem arquitectos nacionais e internacionais, que atrai, sobretudo, alunos estrangeiros. As temáticas desenvolvidas em cada edição são diversas e partem, sobretudo, de questões e de críticas emergentes que os tutores convidados decidem levantar em cada um dos workshops, sendo a cidade do Porto, muitas vezes, objecto de reflexão.

  5.  
  6. 5. Spaces of Dispossession and Dissent: Lisbon After 2008, CES Summer School — curso de Verão de 2015 organizado pelo Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, coordenado por Greig Crysler (UC Berkeley) e Tiago Castela (CES-Coimbra), que teve lugar no Centro de Estudos Sociais em Lisboa. O programa pretendeu explorar os impactes da crise mundial de 2008 nas manifestações espaciais em contexto urbano, nomeadamente, na “deterioração das infra-estruturas públicas nas cidades de toda a Europa”. Um dos seus principais objectivos declarados foi analisar os “novos projetos de imaginação e transformação políticas que emergiram a partir da crise”. Esta reflexão sobre a aplicação das ciências sociais à análise da cidade contou com a participação de arquitectos, urbanistas, economistas cruzando-se com as perspectivas dos participantes.

  7.  
  8. 6. Transcrever Summer Lab 8organizado pela Associação Space Transcribers, com a coordenação de Daniel Duarte Pereira e Fernando P. Ferreira, ocorreu nos verões de 2015 e de 2017 com o apoio da Câmara Municipal de Braga e da Escola de Arquitectura da Universidade do Minho (na sua primeira edição) e acolheu estudantes de Arquitectura, Arquitectura Paisagística, Geografia e Belas Artes e outros. Estes workshops promoveram a partilha e a discussão interdisciplinar, desde o estudo da paisagem de Veiga de Penso em Braga (ed. 2015) à análise das práticas sócio-espaciais dos bairros sociais das Enguardas, de Santa Tecla e do Complexo Habitacional do Picoto, em Braga (ed. 2017) com o objectivo de “produzir novas narrativas e possibilidades de actuação”.

  9.  
  10. 7. Critical Concrete Summer School 9 — organizada e produzida, desde o Verão de 2016, pela Critical Concrete/Co-Lateral — uma plataforma situada entre o Porto e Berlim, cujo director é Samuel Kalika, que convoca arquitectos nacionais e internacionais para um curso teórico-prático sobre “arquitectura social, sustentável e crítica da forma como as cidades estão hoje a ser reabilitadas”. Em cada edição é formado um grupo de mentores nacionais e internacionais e é escolhida uma habitação, que necessita de obras urgentes, sinalizada pelos parceiros, assistentes sociais e as juntas de freguesia do Bonfim (ed. 2016) e de Ramalde (ed. 2017). Este convite à responsabilidade cívica propõe a figura do arquitecto-mediador, isto é, “um perito, com experiência que responde e actua dentro de uma comunidade” consciente do significado político da sustentabilidade na arquitectura.

  11.  
  12. 8. Construir no Sul 10 — curso organizado pelo Núcleo de Estudantes de Arquitectura e Urbanismo do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, com a coordenação de Paulo Tormenta Pinto e teve lugar no Verão de 2016. Este curso nasce das explorações projectuais do Mestrado Integrado em Arquitectura, para consolidar uma reflexão em torno da construção num território específico – o Sul de Portugal – apoiada por workshops e conferências com “personalidades relevantes”, propostas pela organização, nos âmbitos da Teoria da Arquitectura e da Cultura Arquitectónica contemporâneas. À volta do tema desenvolveram-se cinco estúdios e diversas leituras críticas do território-objecto “Sul”, pretendendo questionar esse lugar, a sua identidade, linguagem, estratégias e práticas espaciais, tendo por objectivo “munir os alunos de ferramentas de projecto essenciais à prática da profissão”.

  13.  
  14. 9. Architecture IN-PLAY 11 — conferência internacional promovida pela Escola de Tecnologias e Arquitectura do Instituto Superior de Ciências do Trabalho (ISCTE) e da Empresa e La Sapienza Università di Roma, no Verão de 2016, em parceria com o Vitruvius FabLab do ISCTE e o Instituto de Telecomunicações, coordenada por Alexandra Paio. Os convidados internacionais desta edição foram Michael Fox, Ruairi Glynn, Arturo Tedeschi e Paul Jackson. Esta iniciativa abriu um espaço de reflexão sobre as possibilidades tecnológicas da Arquitectura, sugerindo uma ideia de Arquitectura interactiva, cinética e adaptativa, através de uma “abordagem interdisciplinar, as suas ferramentas, métodos e teorias” e do cruzamento com o Design Digital, a Tecnologia, a Computação, a Matemática e a Geometria.

  15.  
  16. 10. Genoa Summer School 4 12— conceito de Vittorio Pizzigoni (Abitare) e de Valter Scelsi (Abitare/San Rocco) que deu azo a um curso de Verão organizado pelo Dipartimento di Scienze per l'Architettura da Università degli Studi di Genova. Esta quarta edição foi organizada em colaboração com a Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, onde teve lugar, em 2016. Os professores convidados para a orientação do curso foram José Beirão, Marco Casamonti, Michele Marchetti e Nuno Montenegro. O tema proposto, “Espaços Públicos”, explorou, a partir da antiga área industrial de Sintra, o papel do “design na produção de espaços públicos, dentro das grandes tradições das praças públicas”, de acordo com os objectivos propostos.

  17.  
  18. 11. Temporalidade do Turismo. Arquitectura(s) para uma nova territorialidade — eco de uma prática de partilha entre escolas de Arquitectura que integram a rede internacional Designing Heritage Tourism Landscape, fundada em 2015 pela Università luav di Venezia. Esta reunião de escolas pretende “reflectir sobre o modo como a arquitectura pode mediar e influenciar o desenvolvimento de uma estratégia territorial e arquitectónica” a partir do fenómeno do Turismo. A sua última edição teve lugar no Verão de 2016 na Universidade de Évora, contando com o apoio do Departamento de Arquitectura, da Direcção Regional de Cultura do Alentejo, EDIA, CIDEHUS, UNESCO, Herdade do Esporão, Museu da Luz, Istituto Italiano di Cultura de Lisboa e da Fundação de Eugénio de Almeida, com o objectivo da “elaboração de um centro de observação/monotorização/museu e de um pequeno hotel situado junto à barragem do Alqueva”. Este curso de Verão, coordenado por João Rocha (UÉvora) e Mauro Marzo (Iuav), lançou temas de investigação que, de acordo com a organização, estão a ser desenvolvidos em teses de mestrado de alguns alunos participantes.

  19.  
  20. 12. UWA EMBAIXADA Lisbon Summer Studio — organizado pela University of West Australia em parceria com o atelier Embaixada no âmbito da 4.ª Trienal de Arquitectura de Lisboa, em 2016, com a coordenação de Kirill de Lancastre Jedenov, da University of West Australia, e Cristina Mendonça, Paulo Albuquerque Goinhas e Nuno Griff do atelier Embaixada. Este curso de Verão decorreu no Palácio Sinel de Cordes, sede da Trienal, tendo proposto uma abordagem crítica e partilha das metodologias e processos de produção do atelier Embaixada. O objectivo foi a construção de um pavilhão, a partir do mote the thickness of the limit, visitável durante a Trienal. Das propostas apresentadas foi escolhida uma – o Line Pavillion – para cuja construção foi angariado um financiamento.

  21.  
  22. 13. The Power Of Experiment — o Satélite Nórdico da 4.ª Trienal de Arquitectura de Lisboa, edição de 2016 – um conceito e produção da Artéria com o apoio da Galeria Municipal Quadrum, Transibéria, Atelier São Vicente, Nordic Cultur Fund e das embaixadas da Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia – que consistiu num workshop-exposição-livro articulando dois modelos pedagógicos diferentes: o das Escolas de Arquitectura nórdicas e o das Escolas de Arquitectura portuguesas. A iniciativa nasceu do mote da Trienal – “A Forma da Forma” – dando corpo e consistência a uma visão crítica do ensino da Arquitectura em Portugal e procurando analisar, interpretar e desmontar os “modos de fazer”, isto é, as actuais “condições de produção” arquitectónica. Explorou ainda a ideia de uma “arquitectura expandida” para além da ideia restrita do projecto, partilhada entre as seguintes escolas participantes: Oulu School of Architecture (Finlândia), Tromsø Academy of Landscape Architecture and Territorial Studies e Norwegian University of Science and Technology, Trondheim (Noruega), Umeå School of Architecture (Suécia), Departamento de Arquitectura da Universidade de Évora e Escola de Arquitectura da Universidade do Minho.

  23.  

14. SITREP Lisbon 2017/Lisbon and Manila13 — curso organizado pela plataforma Situation Reports on Architecture and Urbanity em parceria com a Escolas de Tecnologias e Arquitectura do Instituto Superior da Ciência do Trabalho e da Empresa, o Centro de Informação Urbana e o Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, com coordenação de Carla Leitão, Philippe Baumann e Michael Su. Foi proposto um projecto especulativo, com a duração de duas semanas e meia, sobre a transformação da Doca de Santos num Fórum Cívico num processo de pesquisa e design conduzido por grupos de trabalho em interacção directa com instrutores, peritos convidados, professores do ISCTE-IUL e membros do CIUL. No final foi feita uma apresentação pública das propostas e uma exposição sendo a reflexão incorporada num Relatório de Situação (SITREP Situation Reports).

 

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8. Construir no Sul, Embaixada
8. Construir no Sul, ExtraStudio
8. Construir no Sul © Patrícia Santos Pedrosa
9. INPLAY © Vasco Craveiro Lopes
11. Temporalidade-Turismo ©João Magalhães Rocha
12. UWA Line Pavillion © Kirill de Lancastre Jedenov
13. The Power Of Experiment © Grupo Walks
14. SITREP Lisbon 2017 / Lisbon and Manila © SitRep

 

**

A conveniência do que se aprende

 

A partir da ideia de “conveniência”, no sentido que Deleuze lhe atribui 14, não deveremos reflectir sobre as pedagogias que caracterizam os processos de aprendizagem actuais? Não deveria, aliás, a Universidade, neste tempo de ruptura (institucional, filosófica e ambiental) incitar-nos a confrontar com a ideia generalizada de Cultura15 ? Aliás, não seria útil discutir a própria ideia de Cultura no seio do processo formativo (sobretudo nas suas repercussões sobre os conceitos de responsabilidade civil e de deontologia profissional)? Neste nosso tempo, que reivindica o direito à diversidade como condição criadora de oportunidades e a abertura à partilha intercultural (até mesmo enquanto veículo de expansão económica), não seria útil o ensino promover a crítica daquilo que, apenas por hábito ou convenção, se mantém “igual” a si próprio (rejeitando a diferença)? Já sabemos que há um “molde” a partir do qual a educação nos prepara para enfrentarmos a vida profissional. Por aqui se garante um certo tipo de “normalização” daquele que aprende. No fundo, aceitou-se uma concepção racionalista do mundo quando considerámos haver uma determinada tarefa que cada um de nós tem de desempenhar dentro da ordem socioeconómica instituída. É que esse é o contributo do ensino actual para o incremento do processo de produção de bens negociáveis e serviços numa perspectiva estreita 16de crescimento económico. Os sinais da necessidade de uma mudança estão aí. Não será esta oferta de formações alternativas o sintoma claro de um mal-estar que se instalou na Universidade? Ora, já percebemos que, porque chegámos ao termo das nossas contradições (o mundo, enquanto habitat humano, não suporta mais experiências de desenvolvimento baseado no crescimento infinito), só nos resta encarar a necessidade premente de mudarmos radicalmente as nossas condições de existência. Teremos de olhar para o futuro de um modo responsável se quisermos que haja um qualquer futuro para a Humanidade. A Arquitectura está obviamente nisto implicada.

 

A oferta de um número crescente de summer schools e workshops em Portugal e na Europa pode ser a prova de que o ensino da Arquitectura se tem vindo a afastar da sociedade e de que é necessário inverter esta situação. Muitas summer schools funcionam como pólos de activação do cruzamento de conteúdos, questionando ideias-força polarizadas: responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, imaginação e transformação políticas, envolvimento local, arquitectura expandida, novas narrativas, práticas colaborativas ou de investigação-acção em territórios críticos, por exemplo. Isto pode ser interpretado como a prova de que há, de facto, um sistema emergente de práticas que acabam por funcionar como contraculturas críticas das limitações do actual ensino da Arquitectura em Portugal17. Dezoito anos após o Processo de Bolonha, que veio promover a mobilidade de alunos e professores, a interdisciplinaridade na definição dos conteúdos programáticos e o DIY (Do It Yourself) na formação e investigação, constatamos que a Universidade, tal como então foi reformulada, vive num regime de autofagia. O sentido economicista e empreendedorista dessa reforma não se confirmou. De facto, a Universidade não conseguiu ainda reinventar-se e o ensino técnico-científico tem forçosamente de olhar à sua volta. Aliás, a menorização das Humanidades na formação superior confirma-o 18. Devemos todos contribuir para a promoção de um ensino superior criativo, inclusivo e responsável, que proponha outras formas de aprendizagem. Afinal, não somos, de facto, todos diferentes?

 

***

Da Universidade às summer schools

 

As temáticas das summer schools não ignoram estes factos e estabelecem-se na articulação entre a investigação e a intervenção, questionando e desafiando as estratégias pedagógicas convencionais: superação dos limites disciplinares; exploração etnográfica e lúdica da arquitectura; identidade e alteridade; estudo dos processos de mediação da Arquitectura e do seu impacto social; necessidade de respostas sociais e sustentáveis por parte da Arquitectura; avaliação do Design e da Tecnologia como competências essenciais para a mudança e a relação entre as alterações climáticas e o desperdício de recursos que a manutenção do parque edificado exigem. Poder-se-á mesmo constatar que, relativamente às temáticas, algumas das summer schools acabam por vir colmatar aquilo que a Universidade, em termos pedagógicos, não está a providenciar. Não poderemos ver aqui uma forma indirecta mas eficaz de acção política?

 

A cultura institucional, chamemos-lhe assim, pode e deve intersectar a cultura política. A partir da Instituição-Escola podemos começar a construir a base de políticas que defendam, de facto, o bem-comum, o Humanismo verdadeiro, a cooperação real, a responsabilização social efectiva, a existência concreta de territórios colaborativos e o incremento de uma lógica de desenvolvimento sustentável. O ensino regular, de um modo geral, apenas se preocupa com a competência técnico-artística da Arquitectura. Ora, isto é falacioso pois este tipo de competência não terá tempo para verdadeiramente se consolidar nos cinco anos lectivos do Mestrado Integrado. Não terá sido esquecida, pelo caminho, a dimensão política com a qual a prática da Arquitectura se confronta no seu dia-à-dia? A política, aliás, não interfere, de modo muito óbvio, com os processos criativos a partir dos quais a Arquitectura responde àquilo que lhe é pedido. Mas, a política pode contribuir para o surgimento de uma tomada de consciência do impacte da Arquitectura na sociedade e no território. E, se assim for, como poderá a Arquitectura reenquadrar-se politicamente, questionando a sua doutrina e as suas práticas? Diremos que, revendo-se nos seus objectivos e nos sentidos da sua actuação, reforçando, ao mesmo tempo, o seu carácter inter e transdisciplinar (pois novos horizontes se têm vindo a definir a partir dos desafios sociais e ambientais), a Arquitectura como prática necessita de repensar-se de alto a baixo. Como síntese de conhecimentos e como instrumento, a Arquitectura poderá transformar-se, de facto, num modo privilegiado de articulação entre (todos) os recursos de que a Humanidade dispõe para sobreviver. Terá, para isso, a Arquitectura de assumir uma nova forma de estar no mundo?

 

 


 

 

Cronologia e origem pública/privada

 

 


 

 

Localização

 

 


 

 

Listagem de summer schools

 

Nome
Noutra Costa
Ano
2012

Sítio
Almada
Organização e Produção
Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território (CEACT/UAL)
Parcerias e Apoios
Câmara Municipal de Almada (CMA)
Nome
Terra Amada
Ano
2012 2013
Sítio
Viseu
Organização e Produção
Mestrado Integrado em Arquitectura da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional das Beiras (CA/UCP-CRB)
Parcerias e Apoios
Câmara Municipal de São Pedro do Sul (CMSPS)
Junta de Freguesia de Covas do Rio
Diocese de Viseu
GECORPA
Nome
In Situ
Ano
2013. 2014. 2015. 2016. 2017
Sítio
Almada
Organização e Produção
Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território (CEACT/UAL)
Parcerias e Apoios
Câmara Municipal de Almada (CMA)
Vitruvius FabLab/ ISCTE
Nome
Porto Academy
Ano
2013. 2014. 2015. 2016. 2017
Sítio
Porto
Organização e Produção
Porto Academy
Casa da Arquitectura
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP)
Parcerias e Apoios
Archmov
Câmara Municipal do Porto (CMP)
Indexnewspaper
Indexshop
MArch
 
Nome
Spaces of Dispossession and Dissent: Lisbon After 2008
Ano
2015
Sítio
Lisboa
Organização e Produção
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES-UC)
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Lisboa (CES-Lisboa)
University of Califórnia (UC Berkeley)
Parcerias e Apoios
Centro de Informação Urbana de Lisboa (CEUL)
Câmara Municipal de Lisboa (CML)
FCT
Nome
Transcrever Summer Lab
Ano
2015. 2017
Sítio
Braga
Organização e Produção
Space Transcribers
Câmara Municipal de Braga
Escola de Arquitectura da Universidade do Minho (EAUM)/ ed. 2015
Parcerias e Apoios
União de Freguesias de Escudeiros e Penso (ed. 2015)
União das Freguesias da Morreira e Trandeiras (ed. 2015)
Junta de Freguesia de Lamas (ed. 2015)
Junta de Freguesia de Esporões (ed. 2015)
Junta de Freguesia de Figueiredo (ed. 2015)
Cruz Vermelha - Delegação de Braga (ed. 2017)
Centro Social de Santo Adrião (ed. 2017)
Associação de Moradores de Enguardas (ed. 2017)
 
Nome
Critical Concrete
Ano
2016. 2017
Sítio
Porto
Organização e Produção
Critical Concrete
Co-Lateral
Parcerias e Apoios
Actors of Urban Change
Amorim Revestimentos
Bosch
Bricodepot Gaia
Cin
Fundação Millennium
Junker
Umbelino Monteiro
Junta de Freguesia do Bonfim (ed. 2016)
Junta de Freguesia de Ramalde (ed. 2017)
Nome
Construir no Sul
Ano
2016
Sítio
Lisboa
Organização e Produção
Núcleo de Estudantes de Arquitectura e Urbanismo (NAU/ISCTE-IUL)
Parcerias e Apoios
Ordem dos Arquitectos (OA)
Vitruvius FabLab/ ISCTE
Colorfoto
Nome
Architecture IN-PLAY
Ano
2016
Sítio
Lisboa
Organização e Produção
Escola de Tecnologias e Arquitectura/ ISCTE-IUL
La Sapienza Universitá di Roma
Vitruvius FabLab/ ISCTE
Instituto de Telecomunicações
Parcerias e Apoios
FCT
Fundação Luso-Americana
Nome
Genoa Summer School 4
Ano
2016
Sítio
Lisboa
Organização e Produção
Dipartimento di Scienze per l'Architettura (DSA) - Università degli Studi di Genova (USG)
Parcerias e Apoios
Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa (FA-ULisboa)
Nome
UWA Embaixada Lisbon Summer Studio
Ano
2016
Sítio
Lisboa
Organização e Produção

Kirill de Lancastre Jedenov (University of Western Australia)

Cristina Mendonça, Paulo Albuquerque Goinhas and Nuno Griff (EMBAIXADA Arquitectura)

Parcerias e Apoios
Trienal de Arquitectura de Lisboa (TAL)
Nome
The Power Of Experiment
Ano
2016
Sítio
Lisboa
Organização e Produção
Artéria – Humanizing Architecture
Atelier São Vicente
Transibéria
Parcerias e Apoios
Trienal de Arquitectura de Lisboa (TAL)
Galeria Municipal Quadrum
Nordic Cultur Fund
Embaixadas da Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia
 
Nome
SITREP Lisbon 2017/ Lisbon and Manila
Ano
2017
Sítio
Lisboa
Organização e Produção
SITREP – Situation Reports on Architecture and Urbanity
Parcerias e Apoios
Escola de Tecnologias e Arquitectura do Instituto Superior da Ciência do Trabalho e da Empresa-Instituto
Universitário de Lisboa (ISCTE/IUL)
Câmara Municipal de Lisboa/ Departamento de Urbanismo (CML/DU)
Centro de Informação Urbana (CIUL-CML)