REPORTAGEM
Pós-crise e a “arte da resposta” de uma geração entalada
Arquitecta e doutoranda (ISCTE-IUL)
Arquitecto e doutorando (FAUP)
Neste ano de 2017, para além da aparente retoma da construção que, graças ao turismo e à reabilitação, permitiu a muitos arquitectos recuperar o oxigénio perdido durante os anos da Troika, assistimos também a uma particular intensidade da celebração mediática da arquitectura. Dificilmente recordamos outro tempo com tal abundância de debates, exposições, publicações, prémios e conferências — e o projecto Arquitectura/3.0 — Promoção de Novos Modelos de Internacionalização de Serralves, a entrega do Prémio Pessoa a Aires Mateus ou a inauguração das novas instalações da Casa da Arquitectura são apenas exemplos da recta final do ano, no meio de tantos outros. É uma efervescência que inclui as gerações mais novas (sub-35) e o facto de uma instituição como a Fundação de Serralves encomendar a concepção de um conjunto de pavilhões temporários a cinco jovens ateliers do Porto — depA, Diogo Aguiar Studio, Fahr 021.3, fala atelier e Ottotto — no âmbito da 32.ª Bienal Internacional de São Paulo, em exposição até meados de Fevereiro, será provavelmente um dos gestos com maior simbolismo.
Pelo menos no plano mediático, e em paralelo à contínua celebração do legado dos dois Pritzkers, há uma expectativa face a um novo ciclo da arquitectura portuguesa. Uma procura pela next big thing que se concretiza simultaneamente numa convergência de interesses e atenções à volta de alguns arquitectos reconhecidos, com idades a rondar os 50 anos, ou numa aposta na “novíssima geração de arquitectos”, para retomar o título de um artigo de Pedro Baía1 sobre os pavilhões de Serralves. O termo “geração” é aqui significativo até porque poderíamos imaginar que o debate geracional, ciclicamente recorrente, já tinha prescrito, entregues que estamos aos valores da individualidade. No entanto, a profunda disrupção que a crise criou na prática arquitectónica em Portugal talvez ajude a encontrar denominadores comuns que permitam resgatar uma leitura geracional [ver O Eterno Retorno do Debate Geracional]. Como refere Teresa Novais em entrevista ao J—A,2 a crise foi uma experiência muito traumatizante para os escritórios com mais experiência, que não conseguem ultrapassar a perda. “Não há arquitecto com mais de 45 anos que não comece a explicar o trabalho a falar da crise e como isso mudou necessariamente a sua prática. Já os arquitectos mais novos explicam o seu trabalho de forma mais pragmática”.
Porém, entre estas duas “gerações” parece existir um gap, onde encaixa pelo menos uma outra — nascida na segunda metade dos anos 1970 e agora a entrar nos 40 — que começou a afirmar-se e a trabalhar autonomamente ao longo da primeira década do século XXI, mesmo antes da crise rebentar e mergulhar o país num estado geral de letargia. Uma geração de arquitectos que pouco depois de arrancar foi forçada a ficar em suspenso, tendo por isso de se munir de uma constante capacidade de adaptação e sobrevivência. Os seus percursos profissionais não só foram afectados pela crise, como acabaram por ser profundamente moldados por ela. Corresponde também a uma geração que teve ainda as honras de uma série de nomes singulares, começando pelo controverso “geração rasca”3 para se seguirem “a geração mais qualificada de sempre”, “a geração sem nada a perder” e, por fim, “a geração à rasca”. Este último, foi usado até por Eduardo Souto de Moura numa conferência de imprensa aquando da recepção do Prémio Pritzker4 em Março de 2011: "Praticamente só trabalho lá fora. (...) Em Portugal não há emprego, está tudo a emigrar. Temos bons arquitectos e a chamada geração à rasca está mesmo à rasca. E não há para onde ir."
Esta “geração à rasca” começou por organizar-se em “colectivos”, acusando o cansaço da figura do “arquitecto-estrela” e mostrando desde logo um maior pragmatismo perante a complexidade do projecto e da construção, como recorda recentemente Jorge Figueira no artigo Modo de Sobrevivência 5, e em que acrescenta: “Muitos colectivos da década passada desapareceram ou estão em parte incerta. Seria interessante saber onde”. Faltando aqui o espaço e o tempo para responder a esse desafio, optámos por ir ao encontro de três arquitectos — Ricardo Camacho, António Louro e Jorge Garcia Pereira — com percursos especialmente representativos de diferentes estratégias que a sua geração encontrou para responder à crise e continuar a exercer a profissão com liberdade e autonomia. Sem querer esboçar um retrato de uma geração ou debruçar-nos sobre obras e projectos, falámos com eles sobre condições de produção. Contrariamente ao artigo As profissões da arquitectura 6 no J–A #252 — que mapeava outras práticas que os arquitectos encontraram para diversificar a sua actividade perante a hecatombe dos anos da austeridade (do turismo à indústria, da curadoria à ilustração) —, quisemos perceber como estes três arquitectos conseguiram adaptar-se, sem nunca deixar o estirador e “os actos próprios da profissão”. Hoje, são já vários os ateliers portugueses sub-40 a ver o seu trabalho reconhecido e premiado — não só em prémios de votação popular mas também em nomeações de maior institucionalidade como o EU Mies Award 7 ou os Premis FAD8 — e já não apenas nas categorias de “interiorismo” e “instalações efémeras”9 a que a jovem produção arquitectónica portuguesa parecia confinar-se durante os anos mais duros da crise.
Se uma palavra houvesse para sintetizar esta geração seria a da sua capacidade de reinvenção perante a adversidade das suas condições de trabalho. E de alguma forma, se nos habituámos a identificar como traços comuns da arquitectura portuguesa — com as reservas e suspeitas que as questões “identitárias” sempre merecem — a escassez e o engenho, a habilidade de ser criativo perante a falta de recursos, a enorme capacidade de adaptação à realidade (e portanto às condições do mercado e do exercício da profissão) — em suma, “uma espécie de arte da resposta”, recuperando a bonita e eloquente expressão de Alexandre Alves Costa10 —, não podemos deixar de reencontrar estas características nesta geração, muito particularmente espelhadas no próprio percurso de vida.
Ricardo Camacho, António Louro e Jorge Garcia Pereira foram os nomes que escolhemos, conscientes do critério pouco representativo em termos de género. A opção podia também ter recaído por outras figuras ou colectivos, como os Rua, que, à boleia da sua nomeação para o Prémio EU Mies, Isabel Salema escolheu para narrar “a história de uma geração de arquitectos”11. No entanto, mais do que de empresas ou colectivos, interessaram-nos percursos dinâmicos que cobrissem um espectro de estratégias e actividades que se revelaram preponderantes no actual contexto da profissão e da sua mediatização: do empreendedorismo à internacionalização, com Ricardo Camacho; das instalações efémeras às operações comerciais de revitalização urbana e restauração, com António Louro; da aposta no imobiliário no centro da cidade aos projectos de reabilitação, com Jorge Garcia Pereira. Camacho foi o Jovem Empreendedor do Ano do Rotary Algarve em 2007, na altura em que coordenava o projecto Casa Granturismo para a construção de um complexo residencial em Silves, com a participação de vários ateliers nacionais e internacionais. Com a crise, optou por emigrar para o Médio Oriente, onde actualmente trabalha, tendo realizado obras de grande dimensão, como o Parque Al Shaheed no Kuwait, no Kuwait. Louro e o seu colectivo Moov, entretanto extinto, contam-se entre os primeiros arquitectos dedicados a instalações urbanas efémeras, hoje tão em voga, e integra actualmente a equipa criativa internacional da TimeOut, sediada em Lisboa, onde coordena projectos em inúmeras cidades em todo o mundo. Garcia Pereira esteve entre os primeiros a fazer investimentos imobiliários no centro do Porto, para os quais desenvolveu também os projectos de reabilitação conjuntamente com Luís Albuquerque , alcançando particular visibilidade com o anteprojecto de reconversão do Matadouro Industrial, em Campanhã.
Em conversa com cada um, tornou-se evidente que os três partilham uma visão semelhante quanto ao impacto que o período crítico dos anos de 2010 a 2015 — resultado do impacto da crise do subprime americano na banca portuguesa e, por corolário, nos sectores do imobiliário e da construção — causou na sua geração. Reconhecem que a grande maioria dos seus colegas de curso saiu do país nessa altura, para colaborar em escritórios no estrangeiro, e que são hoje poucos os que ponderam regressar. Sentem também que a degradação extrema das condições de trabalho na profissão ditou e acelerou o êxodo da geração: “Isso criou um afastamento enorme de Portugal. Existiam pessoas que podiam ter ficado, mesmo com 500 ou 600 euros por mês. Mas a questão é que nem esse dinheiro havia” — recorda Camacho — “no entanto, para além dos ateliers puramente comerciais, acho que toda a gente que saiu fê-lo sobretudo para fazer arquitectura, não para ganhar dinheiro…” Hoje, para Garcia Pereira, “continuamos comprimidos entre a geração que tem à volta de 50 anos, que foram nossos professores e estavam com aquela dinâmica toda de contratação de obras públicas com muitos fundos comunitários ainda a entrar, e esta nova geração” na qual sente que também já não se enquadram. Constata que é em torno desses dois extremos, arquitectos “consagrados” e “novíssimos”, que os investidores privados preferem apostar — os primeiros por constituírem valores seguros, os segundos pelo factor novidade e pelo preço mais baixo. É também entre estes dois pólos que os media tendem a gravitar. Embora também exista uma certa tendência a confundir “mediatismo” com trabalho, diz-nos Louro, como se a falta de exposição mediática pudesse corresponder a estar parado: “Estamos numa sociedade que tem muito a ver com redes sociais e quando se está silencioso nessas redes e nos media, dá a ideia que deixaste de trabalhar. E não é bem assim”.
Os três têm hoje escritório de arquitectura montado, estável e em funcionamento, mas ao qual nenhum se dedica em exclusividade: António Louro trabalha também na equipa criativa da TimeOut, Jorge Garcia Pereira aposta no investimento imobiliário, e Ricardo Camacho dedica-se à docência e à investigação. A construção de uma rede de contactos vasta é também fundamental na actividade profissional dos três, embora esta tenha tendência a surgir mais de forma intuitiva do que premeditada. É através dessa rede que maioritariamente vão recebendo novas encomendas e estabelecendo parcerias com outros escritórios. Para os três é fundamental contarem com uma estrutura fixa no atelier, com bons colaboradores e justamente remunerados, mas também estimulam muito parcerias com outras estruturas, não só para dinamizar o escritório mas também como forma de partilhar responsabilidades. Não se revêem totalmente em formatos mais recentes de organização: “A gestão de um atelier é como uma empresa, aliás, é uma empresa. E essa gestão tem os seus custos. Uma coisa que a malta mais nova faz, e que eu entendo, é que não têm colaboradores, têm sócios. Num contrato, o colaborador fica a um custo mais elevado que um sócio”, segundo Garcia Pereira. Já não participam em concursos em Portugal, que foi uma plataforma fundamental para a geração que os precedeu, pois já não se revêem nesse formato para angariação de novos projectos. “Em 15 anos de actividade, fizemos um concurso” relata Garcia Pereira. “Há muitos arquitectos em Portugal e muito bons. Para qualquer concurso que exista há sempre 100 propostas que são muito boas e portanto as probabilidades de angariar trabalho [dessa forma] são reduzidíssimas”, diz Camacho.
JORGE GARCIA PEREIRA
1977
Termina o curso em 2001 na Universidade Lusíada do Porto com intenções de trabalhar na Alemanha, onde fez Erasmus na Bauhaus Universität-Weimar. Porém, a saúde da mãe leva-o a optar por Portugal e a dedicar-se à Drogaria da Corujeira, um negócio da família em Campanhã, onde nasceu e mantém ainda hoje atelier. Passou pelo atelier [A] Ainda Arquitectura, de Luís Tavares Pereira e Guiomar Rosa, o seu primeiro emprego, e colaborou com Francisco Portugal e Gomes até 2006. Então, opta por constituir o seu próprio atelier com Luís Albuquerque Pinho, colega de faculdade com quem foi desenvolvendo pequenos projectos para pessoas próximas desde o fim do curso. Entretanto, o amigo de infância Jorge Dias convida-o a associar-se a uma imobiliária (era então obrigatório ter no quadro um arquitecto ou um engenheiro) e inicia assim pequenos investimentos: comprar edifícios devolutos, reabilitar e vender novamente. 2010 correu-lhe lindamente enquanto investidor, apesar de ser o ano de maior impacto da crise financeira (efeitos da crise do subprime de 2008). Investem em pequenos imóveis que vendem com grande facilidade, porque as pessoas estavam nessa altura a transferir o capital da banca para o imobiliário. Mas reconhece que nos últimos dois anos o cenário se alterou radicalmente: “Neste momento o Porto está irrespirável, do ponto de vista de mercado. Tudo o que estava adormecido — construtores, antigos investidores que outrora recorriam muito à banca — voltaram à carga para Lisboa e Porto, onde o lucro estava a ser mais evidente. Fazem-se coisas impressionantes para ganhar um negócio. Não escondo que apanhei uma fase espectacular: tivemos a sorte de estar entre os primeiros e agora não sinto a necessidade de entrar nestas cavalgadas”. Continua a fazer investimentos, com a ReUrban, mas com mais calma. Nunca recorreu à banca, porque a elevada procura permitia-lhes, comprado um prédio e antes sequer de estar concluído o projecto de arquitectura, celebrar contratos de compra e venda, que garantiam o pagamento da obra. Isso permite-lhes passar de imediato para o investimento seguinte. Hoje divide-se entre a drogaria, os investimentos — que lhe dão o maior rendimento —, o atelier Garcia-e-Albuquerque —, estabilizado com a normal flutuação de encomenda —, e ªSede — uma galeria de arte dedicada à literatura e à programação cultural que fundou no centro do Porto e que brevemente transferirá para Campanhã, procurando dinamizar a freguesia do seu coração. O atelier atravessa agora uma transição, recusando operações de reabilitação com as quais não se identifica, e dá novos passos na construção de raíz, essencialmente projectos de habitação unifamiliar no grande Porto. Pouco mediático durante os anos da crise, Garcia-e-Albuquerque ganhou grande visibilidade pública com o projecto de requalificação do Matadouro Industrial do Porto. Sensível ao valor patrimonial do edifício e ao esquecimento a que Campanhã estava votada, Manuel Pizarro defende, durante a sua candidatura à Câmara Municipal do Porto, a ideia de transformar aquele espaço de 29.000 m2 num centro dedicado à tecnologia e ao audiovisual. Para o efeito, propõe ao atelier o desenvolvimento de um estudo. Dois anos depois, o Município convida o atelier a retomar essa reflexão e elaborar um projecto-base com vista a ali instalar o Museu da Indústria e uma série de actividades ligadas ao audiovisual, às indústrias criativas e à cultura. Esse anteprojecto foi apresentado na Trienal de Milão de 2016 e serviu de base ao concurso de concepção-construção lançado em 2017.
ANTÓNIO LOURO
1978
Foi um dos protagonistas dos Moov — com José Niza e João Calhau —, um dos primeiros colectivos com nomes abstractos, activo durante 10 anos até se extinguir definitivamente em 2013. No dossier Geração Z da revista arqa, em 2010, são apresentados com grande optimismo, apesar de todas as dificuldades sentidas pela geração: praticamente sem obra construída, estariam prestes a construir no Texas “um protótipo experimental de construção sustentável”. Intitulado Forwarding Dallas,12 o projecto desenvolvido em parceria com o atelier Data foi cancelado pouco depois, efeito da crise do subprime de 2008. Porém o mais provável é que a construção do quarteirão nunca tivesse sequer conseguido arrancar: as duas associações que promoveram o concurso, apesar de bem intencionadas, não tinham dimensão para assumir um projecto daquela envergadura, explica-nos hoje Louro. Os Moov iniciaram a sua actividade em Dezembro de 2003, período que considera a de maior crise: não havia anúncios de emprego para arquitectos e começavam a escassear os concursos públicos — durante muito tempo a plataforma de angariação de projectos para os jovens arquitectos. Para além disso, o colectivo começava a dedicar-se a um campo até então pouco explorado pelos colegas — o das instalações urbanas e performances — que lhe valeu uma boa aceitação pela comunidade artística, mas alguma desconfiança no domínio da arquitectura. Fugindo aos cânones da profissão, o debate sobre o seu trabalho centrava-se recorrentemente na discussão sobre os limites do campo disciplinar. Apesar das dificuldades, foi um período muito dinâmico e mediático, em que participaram em diversos eventos internacionais para os quais iam sendo sucessivamente convidados. Em 2010 começam a surgir encomendas de arquitectura mais convencionais, com tempos de elaboração e concretização muito superiores ao que estavam habituados, o que motivou uma nova fase e estabilizou a estrutura em três elementos (no início eram seis). Contudo, a dispersão entre os três foi aumentando devido à inconstância da encomenda e aos trabalhos que cada um ia fazendo individualmente, o que veio a culminar com a emigração de João Calhau para Bruxelas. Assim, em Dezembro de 2013, quando o colectivo celebrava o 10º aniversário, colocam um ponto final nos Moov. Os dois elementos que permaneceram em Portugal continuaram dedicados à arquitectura, embora em estruturas diferentes, e pontualmente colaboram em alguns projectos. Em 2014, Louro cria o Furo, desenvolvendo projectos que vão desde edifícios de habitação colectiva de raiz a projectos de reabilitação e projectos expositivos. Apesar de ter um conjunto de colaboradores fixo, prefere colaborar com outros ateliers, porque considera importante dividir responsabilidades: “Quando se está sozinho à frente do atelier, torna-se muito pesado ter tudo concentrado na mesma pessoa, a gestão de reuniões de obra importantes, etc.”. A partir de uma dessas colaborações, com o estúdio de design Pedrita, para uma galeria móvel no Mercado da Ribeira, surgiu a oportunidade de integrar a equipa criativa da TimeOut, instalada em Lisboa apesar de o grupo financeiro estar em Londres. É ali que se dedica a coordenar equipas em diferentes cidades, como Boston, Miami, Chicago. Em cada cidade convidam um atelier local a desenvolver um projecto de Mercado TimeOut 13, partindo do conceito desenvolvido para o Mercado da Ribeira, e com supervisão da equipa de Lisboa, que assegura o cumprimento dos parâmetros estabelecidos pelo grupo.
RICARDO CAMACHO
1979
Divide o tempo entre Lisboa, Boston e o Médio Oriente, tendo atelier no Kuwait onde projecta, desenvolve iniciativas culturais e integra a Kuwait University como docente convidado. Concluiu o curso na Faculdade de Arquitectura de Lisboa em 2002, fez estágio curricular em Munique e o de acesso à Ordem do Arquitectos em Portugal, no atelier Emit Flesti — fundado por Nuno Jacinto e Paulo André Rodrigues — sendo, pouco depois, convidado para sócio. Em 2005, arrancam em conjunto com a Casa Granturismo, um projecto experimental sobre um complexo residencial, localizado em terrenos de família em Silves, no qual propõem testar a relação entre turismo, arquitectura e território no Algarve. Para o efeito, convidam vários escritórios nacionais — Moov, DASS, PDM (Paulo Moreira e Diogo Matos), Pedro Borges de Araújo, Luís Pereira Miguel, entre outros – e estrangeiros — Atelier Bow-Wow, Njiric+, Fernando Romero, Pezo Von Ellrichshausen e, mais tarde, Angelo Bucci (SPBR) – a apresentar propostas de unidades de habitação. “Foi com grande frustração que chegámos à conclusão que, excepto os DASS, os escritórios nacionais não conseguiam ultrapassar a ideia do Algarve como espaço de veraneio e da casa como objecto arquitectónico isolado, onde o meu lote é o ‘meu’ lote e que a urbanização é apenas uma operação de loteamento — todas estas questões eram coisas que procurávamos desconstruir. Acabámos por concluir que seria mais natural para alguém estranho ao contexto desafiar noções de limite de propriedade, relações entre estada permanente e temporária, etc.” O projecto enfrentou grande inércia, recorda, principalmente pela ausência de arquitectos portugueses: “Os projectos levavam sempre seis ou sete revisões até serem aprovados na Câmara, apesar da vontade política e apoio de população, e depois de uma série de conferências em que demonstrávamos a energia e o genuíno interesse do projecto para a cidade”. A crise ditou definitivamente o fim do projecto em 2011, parcialmente construído e agora entregue à Caixa Geral de Depósitos. Porém, já em 2006, perante os primeiros indícios de recessão, Camacho opta por fazer o mestrado (M.Arch.II) na Harvard GSD, que mais tarde lhe abriu portas à docência e à investigação na Northeastern University, em Boston. Um colega de mestrado originário do Kuwait desafia-o a instalar-se no seu país, e Camacho monta uma equipa numa lógica semelhante do Algarve e com os mesmos elementos que, perante a crise portuguesa, se deslocam para lá durante algum tempo. Formou ali um espaço de coworking e uma rede de colaborações, da qual surge a oportunidade de propor ao Ministério da Cultura do Kuwait a primeira participação do país na Bienal de Veneza, em 2012. Enquanto co-comissário, organiza debates sobre a cidade e prefigura a discussão sobre a cintura verde do Kuwait, desígnio que o Emir pretende concretizar. Entre 2013 e 2015 dedica-se exclusivamente à coordenação do projecto do Parque Al Shaheed. Hoje tem em mãos vários projectos espalhados pelo Médio Oriente: uma galeria de arte, um hotel e uma mesquita no Irão, o planeamento dum "aldeamento" cultural na Arábia Saudita e o interior de um museu nos Emirados Árabes, para além da produção de um terceiro livro sobre o Moderno na região, após projecto de investigação financiado sobre a arquitectura do Kuwait em 1949-1989. A sua capacidade de montar redes informais aproximou-o dos Promontorio — a propósito de Tróia, aquando dum estudo da Northeastern University sobre o turismo em Portugal e Croácia — formando uma joint-venture em 2014, com o objectivo de realizar trabalho no Kuwait e apoiar uma expansão comercial nos EUA, de que o projecto para o Harvard Square Theatre é exemplo. Entretanto, a família voltou a Portugal e o futuro é ainda uma incógnita, mas a ambição de Camacho é regressar ao país, mantendo estas actividades pelo mundo fora. ◊