EDITORIAL

Sinais de viragem?

Por Paula Melâneo e Inês Moreira

Fotografia da capa: Obra da Real Vinícola

© Luís Ferreira Alves

A arquitectura e a construção parecem estar em franca recuperação após a crise que tão duramente se fez sentir desde o início desta década. Na anterior edição deste Jornal, intitulada Centros Nevrálgicos, vimos como a reabilitação dos centros das principais cidades portuguesas tem trazido uma nova dinâmica à área da construção, seja na reabilitação ou na reconstrução de edifícios, fundamentalmente para habitação de luxo e de curta duração ou para uso hoteleiro. A efervescência e retoma que se sente na construção repercute-se também na área cultural da arquitectura, que encontra a atenção de um público abrangente, assinalada com a atribuição do Prémio Pessoa 2017 a Manuel Aires Mateus, reconhecimento que veio a público no passado mês de Dezembro.

Esta primeira edição de 2018 do J—A reconhece a aceleração destes acontecimentos e convida a olhar temas diversos que vêm marcando o panorama da arquitectura nos últimos tempos e, de algum modo, se acentuaram em 2017.

 

O ano de 2017 foi também de mudança no projecto editorial do J—A, com a decisão da Ordem dos Arquitectos de retomar o formato de periódico impresso da publicação, apoiado na sua versão digital.

 

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2017 foi um ano em que a recuperação económica ligada ao sector imobiliário se afirmou, assistindo-se ao crescimento progressivo da construção, e que, em geral, assinalou um novo impulso no campo da arquitectura. Neste contexto fomos ver como têm sido as respostas da geração de arquitectos com cerca de 40 anos, mais precisamente de alguns dos que “sobreviveram” aos duros tempos de crise. Alguns destes autores e ateliers, cujo portfólio mostrou crescimento nos últimos anos, expõem as estratégias com que ultrapassaram a crise e com as quais reinventaram o exercício da profissão. Inerente está uma questão geracional, com suas diferenças de abordagem ao universo da arquitectura, preocupação recorrente desde a segunda metade do século XX, que agora revisitámos à luz do contexto actual.

 

A internacionalização de ateliers de arquitectura continua a ser um objectivo relevante para diversas entidades nacionais, às quais se juntou a Fundação de Serralves em 2017. Por este motivo, fomos conhecer, através de uma conversa com os seus comissários, o programa Arquitectura 3.0, dedicado à promoção da internacionalização da arquitectura do Norte de Portugal. A par da prática, a internacionalização da teoria de arquitectura portuguesa tem demonstrado um caminho próprio e um reconhecimento que se tem consolidado ao longo desta década. Um ensaio sobre o tema faz o levantamento de alguns dos marcos mais importantes.

 

Novembro de 2017 viu abrir ao público uma nova instituição dedicada à arquitectura, a Casa da Arquitectura (CdA), acontecimento que marcou o final do ano. Este novo equipamento cultural, em Matosinhos, traz novos espaços expositivos e a possibilidade de tratamento de documentação, arquivo e colecções próprias. Amplia assim o conjunto de instituições museológicas dedicadas (parcialmente) à arquitectura, como o Museu de Serralves e a Fundação Calouste Gulbenkian, ou outros espaços de programação cultural como o MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (inaugurado em 2016), a Garagem Sul do Centro Cultural de Belém e a Trienal de Arquitectura de Lisboa — na sua maioria situados em Lisboa.

Dando destaque a esta abertura, propomos uma análise do projecto de revitalização da Real Vinícola, antigo complexo industrial agora inaugurado pelo Município e que integra a Casa da Arquitectura e a Orquestra Jazz de Matosinhos, entre outros usos, através do projecto de arquitectura assinado por Guilherme Machado Vaz. Durante a inauguração da CdA, visitámos os espaços e conversámos com alguns dos convidados sobre as expectativas em torno da nova instituição, tema que aprofundámos posteriormente numa entrevista a Nuno Sampaio, seu director executivo, que partilha a estratégia e a programação dos próximos tempos. A exposição inaugural da CdA, Poder Arquitectura, é reportada no seu momento de abertura, bem como o debate do ciclo Please Share, proposto na inauguração, que leva a pensar sobre o futuro da curadoria de arquitectura.

 

A investigação e o ensino em arquitectura têm-se diversificado, encontrando novos formatos onde também as organizações de pesquisa extra-universitárias vão ganhando o seu próprio espaço, resultando num cruzamento progressivo com o público mais geral. Em 2017 o Prémio Fernando Távora celebrou o seu 12.º aniversário, ano em que a mediatizada viagem aos EUA de Eliana Sousa Santos, a premiada da última edição, se viu tema de uma série de quatro artigos publicados no jornal Público ao longo do Verão. A crescente divulgação pública da viagem proporcionada por este prémio levou-nos a revisitar as várias viagens premiadas e os seus viajantes.

Expandindo também a noção de pesquisa e de aprendizagem em arquitectura, as summer schools são um complemento ao ensino universitário que tem crescido em número e em procura ao longo da última década. Foram diversas as organizações recentes e por isso fomos analisar a génese destes eventos, questionando o modo de interacção com o seu público e com a universidade. Também no universo do ensino de arquitectura, mas numa vertente não-universitária, procurámos fazer um balanço sobre o que propõem os serviços educativos das várias instituições nacionais, com carácter museológico e cultural, dedicadas à programação de arquitectura e que modelos oferecem a um público diversificado.

 

Como pontos críticos do último ano, retomamos dois temas problemáticos de 2017, tratados anteriormente pelo J—A, e que neste ano ganharam nova relevância. Os trágicos incêndios do Verão e Outono de 2017 e o seu impacto no território e no património arquitectónico desaparecido são estudados num texto que olha ao interior de Portugal Continental, estendendo a problemática já levantada no território incendiado nos limites da cidade do Funchal, em 2016. Por fim, a crescente prática do “fachadismo” na reabilitação dos centros das cidades portuguesas é uma questão que voltou a acender os ânimos e a contestação cívica em 2017. Um tema que tem gerado grandes clivagens na opinião pública sobre as metodologias de reabilitação e reconstrução aplicadas nas zonas consolidadas dos centros das cidades, onde a história da arquitectura portuguesa, que se foi fazendo entre continuidades e rupturas, se vê questionada no tempo presente. ◊