ENTREVISTA

Demolições

Visita ao estaleiro e conversa com Eng.º Pedro Nogueira
(Costa Almeida Demolições)

Por Inês Moreira
Arquitecta, curadora e investigadora Pós-Doutoramento (IHA-FCSH-UNL), Professora FBAUP

A demolição de edifícios históricos, e de suas partes, sendo legal é quase sempre controversa pois afecta a relação com a memória colectiva. A vertente mais observada e discutida é a demolição com manutenção da fachada para posterior reconstrução do interior do edifício.

 

Conhecer as profundas transformações nos centros urbanos levou-nos ao encontro da Costa Almeida Demolições, uma das principais empresas responsáveis pela demolição de edifícios ou mesmo de quarteirões inteiros, nos centros das cidades do Porto e de Lisboa. Visitámos o seu estaleiro em Avintes e algumas das demolições em curso no Porto. O Eng.º Pedro Nogueira conta-nos parte do processo e testemunha as diversas extensões da demolição: o método, o processo, o transporte, a ecologia, o vazadouro, o mercado de 2ª mão, a reutilização de materiais, tudo em volta de um edifício em vias de desaparição.

 


 

 

O desmantelamento actual dos edifícios é um processo cuidadoso de separação de materiais inertes e de materiais a reutilizar, pode explicar-nos o processo?

 

 

Está tudo muito bem arquitectado porque cada um, quando chega à obra, sabe exactamente o que tem que fazer. Depois de um certo volume de demolição, há uma máquina que está a demolir e outra que faz a triagem de todos os resíduos, separando o ferro, do betão, etc.

 

Podemos começar pela demolição total de edifícios, como a que ocorreu na Avenida da Boavista?

Tendo em conta que as fachadas estão voltadas à rua, neste tipo de processos normalmente começa-se por se destelhar as coberturas, tiram-se todas as madeiras interiores, a nível de portas, aros, ou seja as madeiras mais fáceis de serem removidas. Em seguida, e antes de fazer qualquer tipo de demolição posterior, tem que se fazer um pré-corte junto às fachadas, por causa das asnas e vigas que estão encastradas nessas fachadas, e a partir daí usa-se uma máquina com uma pinça que começa lentamente a tirar os materiais.

 

É conveniente montar sempre um andaime na fachada por várias questões: protecção às pessoas que passam e também sustentação da própria fachada. Temos muitos casos em que temos varandas em balanço, ou em contra-balanço, e é necessário que o andaime também faça esse próprio contra-balanço, quando lhe tiramos o peso, aquela varanda tem que ficar equilibrada. A partir daí, com a pinça tiram-se as madeiras e a pedra e vai-se separando tudo automaticamente. Acabando a parte da demolição, do meio da habitação para cá, digamos, começa-se então a trabalhar nas fachadas, com o mesmo método – com a pinça ou com a tesoura – tentando “virar” as fachadas, se houver essa possibilidade.

 

As obras acabam por ser muito diferentes. Se formos fazer outro trabalho idêntico, o procedimento é exactamente igual até chegar a esta fase, mas quando chega à parte das fachadas é fundamental verificarmos como é que elas estão agarradas umas às outras, porque há muitas situações, como já tivemos, em que existe pedra e betão, e quando há diferenças de materiais temos que fazer outro tipo de actividades. Portanto, cada obra tem uma especificidade muito própria. Elas parecem ser todas iguais – é a questão de ser tudo para “deitar abaixo” – mas não é sempre igual, tem sempre uma certa ciência e quem aqui trabalha já sabe que metodologia tem que adoptar para fazer essas demolições.

 

 

E as fachadas, essa grande questão da qual hoje se fala?

 

Depois de chegar às fachadas, devagarinho vai-se tirando as espias dos andaimes, que são aquelas peças que vão agarrar o andaime à fachada, e vai-se desmontando, num processo, quase de “lego”, e separando os resíduos, e por aí fora. A escavação é como vocês sabem, é com “martelo e balde” e vão-se também carregando os materiais. Basicamente, é isto.

 

Noutros casos, para manter as fachadas segue-se um método distinto...

Nesses casos a demolição inicia-se também de cima para baixo, recordo-me de um que estamos agora a demolir. Era um edifício constituído por paredes em alvenaria e também tabique – portanto em madeira. Fizemos primeiro a desobstrução da cobertura, com a remoção da telha; depois a remoção da armação da telha, sempre com o apoio da grua a fazer lotes de madeira e acondicionando-os directamente logo junto do madeirão, no contentor. E assim sucessivamente. Depois fomos batendo as paredes de tabique para tirar a cal, para separar esse material da madeira, e essa cal também é transportada à parte, carregada num contentor para ir a vazadouro licenciado; a madeira também vai também para um vazadouro licenciado; e com a pedra é exactamente igual, é um sistema manual e é com pés-de-cabra, com marretas, com moto-serras, a tentar sempre fragilizar ao máximo a pedra, tentado deixar as peças com dimensões menores para ser mais fácil o transporte, porque naquele caso específico não dava para aproveitar nada de pedra.

 

As que estão ao nível do piso 1 e 2 já são aproveitáveis Mas lá em cima e tendo em conta também o timing da obra, não foi possível fazer grande aproveitamento das pedras em si. Normalmente nós gostamos de aproveitar a pedra, para também tentar valorizá-la, porque há pessoas que ainda a usam para muros antigos, etc. Depois, chegando a um piso normal, estávamos ainda a falar da cobertura, começamos a remover o soalho, sempre com os pés-de-cabra ou moto-serras. Depois a remoção das vigas que fazem a sustentação desse soalho, sempre com o apoio da grua a fazer o transporte do material directamente para os contentores, e assim sucessivamente. Seguidamente, o método é sempre igual para todos os pisos, porque os pisos acabam por ser todos iguais e os materiais são os mesmos.

 

E o suporte das fachadas, como se vai fazendo?

No caso em que as fachadas se mantêm – nesse caso específico – fazemos um interregno, trabalhamos uma semana e depois paramos 3 ou 4 dias para a empresa que lá está faça a sustentação. Essa sustentação é feita com uma estrutura metálica, que tem uma torre central e duas vigas porticadas que agarram a estrutura. Na sua zona perimetral também é agarrada por vigas metálicas e daí sucessivamente. A partir do momento em que essa parte da fachada está agarrada, descemos ao piso de baixo, fazemos exactamente o mesmo processo. É uma especialidade, uma arte fazer este tipo de trabalho. Envolve muito cálculo, é um trabalho de muito rigor, não só o cálculo no papel mas também depois a execução.

 

 

Há demolições em que se aproveitam materiais para reutilizar, o que acontece?

 

O aproveitamento de materiais é exactamente o mesmo, se calhar apenas separamos tendo em conta o contentor, só por esse motivo. Quando há necessidade de preservar parte da madeira, faz-se a remoção na quantidade que o dono de obra solicita e depois armazena-se num espaço fechado, abrigado, para depois ser encaminhado para ser reaproveitado. Com as cantarias é exactamente a mesma situação, tendo em conta que quando se faz a remoção de uma cantaria que se quer aproveitar, obviamente não se vai retirar com uma pinça, nem com um meio mais pesado, normalmente passa-se uma cinta na cantaria de pedra e a máquina pega e pousa ligeiramente no chão, em cima de uma palete ou de outro material mais leve, e transporta-se para o local a acondicionar. Quanto às grades, também há várias situações. Tentamos sempre aproveitá-las, trazemos para o nosso estaleiro ou, por norma, aparece alguém que tem interesse em poder reaproveitá-las e nós cedemos. Normalmente é o que fazemos com grades, azulejos, ou qualquer outro tipo de materiais, temos sempre interesse em ceder, tudo o que é com estilo mais antigo, anos sessenta e setenta e que se apanha muito aí nessas obras, tentamos sempre reaproveitar.

 

No reaproveitamento desses materiais, sabe onde têm sido usados?

Não sei especificamente, há pessoas que, sabendo que vai haver uma demolição e que valorizamos esse tipo de materiais, nos contactam. Normalmente informamos algumas empresas ou clientes que têm interesse para depois reaproveitar e colocar noutro sítio, onde, não sei dizer.

 

E os inertes, que caminhos seguem?

Normalmente vão para vazadouros licenciados no grande Porto. Todos esses vazadouros podem receber esse tipo de resíduo, e é por isso que nós temos o trabalho de os separar em obra para os podermos encaminhar, porque os vazadouros também estão cada vez mais “educados” a receber efectivamente “aquele” resíduo. E quando dizemos plástico, não é plástico e terra, é plástico; quando dizemos que é tijolo, não é tijolo e betão. Temos mesmo que fazer essa separação, perde-se algum tempo mas o ambiente também ganha com isso. Somos educados nesse sentido, nesta empresa, um funcionário novo que chega tem logo essas informações, temos que fazer desta forma. Valorizando ou não o resíduo, porque a maior parte dos resíduos somos nós que temos que pagar para os depositar, e são em maior quantidade do que aqueles que podemos valorizar.

 

Que conheça, há um mercado de 2ª mão de arcadas, pórticos, e outros elementos?

Não. O que já aconteceu, numa obra específica em Lisboa, na Avenida da Liberdade, houve um arco que tivemos que numerar, desmontar, para alguém depois o montar. Nós não montamos. Já fizemos desmontagens de estruturas metálicas, de naves industriais por exemplo, para serem montadas noutro local, noutro país até, reaproveitando tudo, até os parafusos.

 

Então, fundamentalmente, o edifício demolido é, em grande parte, resíduo para vazadouro?

Há vazadouros para todos os tipos de resíduo: sucata, lixo, papel, cartão, plástico, betão, tijolo… A maioria dos vazadouros recebe esse tipo de resíduos –há um código para cada tipo de resíduo — que os nossos motoristas têm que anotar quando o descarregam no vazadouro, o resíduo é rubricado e verifica-se se de facto está correcto. A partir daí o processo é repetitivo. O mercado de 2ª mão só existe para, por exemplo, uma porta antiga ou que sabemos que tem algum valor – isso, naturalmente não vamos enviar para o vazadouro. Se não conseguirmos encaminhar de imediato, ou acondicionamos aqui no nosso estaleiro, ou então vende-se a alguém que tem interesse em obra, ou até para a própria obra que vai nascer. Porque a maior parte das obras que estamos a demolir, especialmente aqui no Porto, são as que vão nascer no mesmo sítio, não vão ficar eternamente demolidas, até porque as fachadas ficam quase sempre para renascer imediatamente a seguir. ◊