REPORTAGEM
12 anos de arquitectura portuguesa em Veneza
Questões do Simpósio Bienal de Arquitectura de Veneza: as exposições portuguesas [2004-2016]
* Doutoranda FLUP e especialista em Arte e Cultura (UNESP)
** Arquitecta, curadora e investigadora Pós-Doutoramento (IHA-FCSH-UNL), Professora FBAUP
Maio de 2016Como fazer face à ausência de um pavilhão português em Veneza? Que estratégias curatoriais têm sido encontradas para expor a arquitectura portuguesa? Que destinos dar às encomendas realizadas pelo Estado aos arquitectos e aos artistas convidados como representantes? Para refletir sobre os modos de representação e de apresentação da Arquitectura portuguesa no evento internacional de Veneza, a par do crescente campo da curadoria de Arquitectura em Portugal, reuniram-se pela primeira vez em debate público os curadores responsáveis pelas sete exposições apresentadas por Portugal, entre os anos de 2004 e 2016. Entendendo a curadoria de Arquitectura como uma área abrangente, sem práticas rígidas, que contribui activamente para o futuro da disciplina arquitectónica e para a sua reflexão sobre o contemporâneo, o encontro propôs discutir as abordagens desenvolvidas em cada representação pela voz dos “seleccionadores”. Neste escopo se balizou o debate, deixando deliberadamenete de fora outras questões, como a análise das obras de Arquitectura, as políticas de representatividade dos Arquitectos expostos, ou o nacionalismo implícito ao formato dos pavilhões nacionais proposto pela Bienal de Veneza.
A apresentação do encontro, feita por Inês Moreira, definiu os limites da reflexão dentro do campo das actividades dedicadas à divulgação da cultura Arquitectónica, hoje, em Portugal: mapeando o campo, propõe a leitura de quatro pólos que identifica e em volta dos quais revolve a cultura da Arquitectura portuguesa e das representações internacionais: a Academia, a Ordem dos Arquitectos e o Estado, três pólos relativamente estanques, acompanhados pelo meio profissionalizado da cultura, que se vem consolidando. A distinção entre entendimentos de representação foi, também, outro ponto de partida: segundo Jacques Derrida, a representação tem uma dimensão política e outra estética. As representações internacionais de carácter diplomático/político promovidas pelo Estado (português) agem como veículo de envio de uma selecção nacional a um destino, como comitiva oficial. Contudo, existe uma dimensão estética, de presentação em cada representação, pois o evento pode ser generativo e produzir algo não existente previamente ao envio, pelo que uma representação nacional pode gerar novas questões, obras, espaços e acontecimentos, ultrapassando o retrato mimético da realidade nacional.
© Lucas Menezes
Generosamente apresentada e ilustrada pelos seus curadores, a primeira mesa do simpósio reuniu edições que abraçaram a ausência de pavilhão nacional como um despoletador de projecto expositivo/curatorial. Na ausência de espaço físico garantido, Joaquim Moreno, Cláudia Taborda, Pedro Campos Costa e Nuno Grande optaram em Veneza por modelos curatoriais “alternativos”, ora criando espaço arquitectónico, ora seguindo a sua desmaterialização. “A vantagem de não ter pavilhão é poder fazer acontecer coisas e não amostragens de arquitectura”, afirma Joaquim Moreno, expondo uma concepção de evento e espaço efémero lido especificamente a partir da cidade de Veneza. Numa abordagem centrada nas referências teóricas do projecto curatorial, em estreita relação site-specific concebida em co-autoria pelo Arquitecto Eduardo Souto de Moura e pelo artista Ângelo de Sousa. Moreno destacou a prolífica conjuntura estabelecida entre pavilhões e outras construções temporárias semelhantes, de carácter político, cultural ou comercial, para experimentação física e espacial da Arquitectura, pois “com um claro limite temporal, tornava aceitáveis propostas que a cultura em geral não estava ainda disposta a aceitar como permanentes”. A ausência de um pavilhão permanente é entendida, neste aspecto, como impulsionadora de experimentação arquitectónica, espacial e curatorial, pelo que, com ironia sobre outras itinerâncias, Moreno refere: “a pegada ecológica do pavilhão é inexistente, não perdurou nada após Veneza”.
© Lucas Menezes
Numa direcção diversa, o arquitecto Pedro Campos Costa apresentou os conteúdos do jornal Homeland, que representou Portugal na 14a Bienal, em 2014, com um conjunto de jovens arquitectos, jovens críticos e outros convidados a pensar sobre o problema da habitação. A aposta num jornal foi a resposta ao repto do curador-geral, Rem Koolhaas, que propôs tratar os últimos cem anos de modernidade em cada país, opção em linha com o caráter político e crítico definido por Campos Costa e sua equipa editorial. Com pragmatismo, Campos Costa salientou questões de caráter financeiro e prático que influenciaram o conceito: um corte no orçamento para 50% em relação a 2012 e a falta de pavilhão português. Disseminando projectos em suporte impresso, definiu uma selecção de autores com clara intenção de “interferir nas políticas de arquitectura em Portugal”. Surpreendendo os planos iniciais, a organização da Bienal cedeu uma sala no recinto oficial do evento para a colocação das máquinas de distribuição dos jornais portugueses, criando um espaço físico e, em 2016, alguns dos projectos e iniciativas despoletadas por Veneza estão a começar a ser construídos.
Neighbourhood: Where Alvaro meets Aldo, pavilhão de 2016, foi apresentado por Nuno Grande. Numa co-curadoria com Roberto Cremascoli, a representação tem como figura única de eleição o arquitecto Álvaro Siza e seus projectos de habitação social no Porto, Berlim, Haia e Veneza, bem como o diálogo com o arquitecto italiano falecido, Aldo Rossi. A exposição apresenta-se no rés-do-chão do edifício em construção do Campo di Marte, na ilha da Giudecca, projectado por Siza e cuja construção ficou interrompida, e , contando com entrevistas e conversas entre o Arquitecto e os actuais moradores dos quatro bairros. O facto de a representação portuguesa ser apresentada na obra interrompida, conduziu a que as autoridades venezianas sinalizassem o prosseguimento da construção do edifício, tornando-se a conclusão da habitação social num dos resultados previsíveis desta representação, a par das itinerâncias da exposição.
No debate, conduzido pela arquitecta Susana Ventura, questionou-se que espaço existe para o pensamento crítico em exposições/bienais de grande escala, concordando todos curadores que esse é o principal esforço da curadoria, independente da predisposição do contexto onde a exposição se insere, os seus conteúdos devem ser críticos. A questão dos resultados e dos custos das participações portuguesas foi levantada: “É importante estar representado em Veneza? Vale a pena pagar para estar presente?”, pergunta Campos Costa. Face ao actual contexto socioeconómico português, será imprescindível enviar anualmente uma exposição a Veneza (arte e arquitectura), ou seria mais relevante equacionar essas participações noutros eventos culturais? Ficando assente que Veneza é o epicentro internacional da cultura da arquitectura, pelo que a “não presença” não foi explorada, a questão dos eventos alternativos ficou por responder.
© Lucas Menezes.
A segunda mesa redonda do encontro, reuniu curadores das exposições que se aproximaram mais do carácter museográfico, expondo obras de arquitectura através de desenhos, maquetes e outras representações gráficas e audiovisuais, tendo como oradores Luís Tavares Pereira e Julia Albani, além de um resumo da exposição de Inês Lobo. Metaflux, apresentada por Luís Tavares Pereira, baseou-se na interpretação do tema geral de 2004, Metamorphs, no argumento dos dois curadores nacionais: a grande metamorfose da Arquitectura portuguesa não acontece em termos tecnológicos ou formais, mas sim no sentido de mudança de influências e referências, de transformações geracionais no país. A exposição contou com dez Arquitectos e, também, com cinco artistas/arquitectos numa tentativa de “contextualizar a realidade portuguesa a partir de leituras artísticas sobre o território”. A importância do desenho expositivo e cenográfico, de autoria dos próprios curadores, é uma componente entendida como indissociável do projecto curatorial, num sistema de caixas modulares que previa já a possibilidade de itinerância a Lisboa e a São Paulo. Dado o esforço de criação destas mostras, o pós-vida das exposições foi sendo levantado – itinerâncias, arquivo e diálogo com outras iniciativas.
No Place Like: 4 houses, 4 films, de 2010, foi apresentado por Julia Albani, que compartilhou naquele ano o convite da DGArtes feito à Trienal de Arquitectura de Lisboa para comissariar a representação em Veneza. Reflectindo sobre a ideia de habitação enquanto lar, a casa, o projecto centrou-se na escolha de projectos singulares na trajectória dos seus autores – Álvaro Siza, Manuel e Francisco Aires Mateus, Ricardo Bak Gordon, João Luís Carrilho da Graça – em contextos distintos – urbano, praia, denso, monte. A opção de exibição dos projectos através de quatro filmes, encomendados aos artistas Filipa César, João Onofre, João Salaviza e Julião Sarmento, confere uma interpretação subjectiva à obra arquitectónica – não aquela da crítica de arquitectura nem a dos seus habitantes, mas através da arte. Albani refere que o pós-vida da exposição acontece através dos filmes: “Os filmes produzidos para a exposição de Veneza são constantemente solicitados para outras exposições, mostrando a arquitectura portuguesa internacionalmente”.
Iniciado o debate, a museóloga Elisa Noronha questionou sobre a política cultural relativa às exposições e ao modo como os curadores das representações são escolhidos, ao que os vários curadores presentes deram opiniões a respeito da efectividade de ser lançado, futuramente, um concurso aberto, de modo similar ao que acontece com pavilhões de outros países. Nuno Grande e Tavares Pereira pontuaram a necessidade de se criar, primeiramente, as condições mínimas necessárias para a realização das exposições, tais como uma definição rígida e constante a respeito de orçamento e disponibilidade de espaços físicos, entre outros aspectos essenciais para o bom funcionamento dessas actividades. Joaquim Moreno indagou se um concurso, por ser uma medida democrática, não poderia restringir o fomento à discussão e à criação de exposições inovadoras, que não necessariamente seguem o consenso crítico.
Encerrando, o então Diretor-Geral das Artes Carlos Moura-Carvalho, ressaltou também a instabilidade política na área da Cultura e a mudança de tutelas, a par do esforço que o Estado tem realizado em criar parcerias e mecenato para possibilitar as representações, tanto em Veneza como nas suas posteriores itinerâncias. Abriu a possibilidade de uma consulta de ideias para a próxima Bienal de Veneza, seja através de uma comissão ou de concurso, em que se pudessem ouvir propostas que os arquitectos queiram propor, eventualmente auscultando comissões culturais já existentes. Relativamente ao aspecto museológico e patrimonial, Moura-Carvalho reconhece a necessidade da DGArtes desenvolver um arquivo online integrado, que registe as diversas representações, uma vez que além do impacto “diplomático” e internacional directo em Veneza, as exposições são peças importantes da Arquitectura portuguesa que tem sido criada e que tem passado por Veneza. ◊
Post-scriptum: A 1 de Junho de 2016, após inauguração em Veneza, o Ministro da Cultura nomeou nova Directora-Geral da Artes, pelo que as respostas concretas às questões levantadas e debatidas no Simpósio ficarão em suspenso, aguardando nova decisão política.