TESTEMUNHO
Diálogos entre forma e estrutura no MAAT
Engenheiro Civil (FEUP) e Doutorando em Arquitectura (FAUP)
O computador apenas pode calcular aquilo que estiver conceptualmente lá; apenas podemos encontrar o que procuramos nos computadores. 1
Hoje em dia, parece possível desenhar um edifício com qualquer forma. Os sofisticados e poderosos métodos numéricos, combinados com refinados interfaces, cada vez mais user-friendly, levam por vezes os projectistas a pensar que um qualquer edifício poderá ser construído assim que se faça uma representação digital do mesmo.
Com as ferramentas de desenho assistido por computador (CAD), os engenheiros e arquitectos mudaram-se dos estiradores para as mais produtivas ferramentas digitais. As máquinas CNC prometem um eficiente modo de produção, como que numa linha de montagem fabril. Deste modo, os projectistas têm ao seu dispor ferramentas, tecnologias e técnicas que os permitem explorar, testar e construir edifícios que não teriam sido possíveis no passado.
Este é um contexto paradoxal, no sentido em que a tecnologia deveria agilizar processos, mas que, na prática, sob o mote do “computador que calcula tudo”, promove a complexificação de processos e afasta a engenharia cada vez mais do processo conceptual. O conselho de Frei Otto alerta-nos que o computador é apenas uma ferramenta e que são as ideias e os conceitos que devem ditar o método processual de um projecto, apesar de todo o potencial que a tecnologia possa trazer.
O novo Museu de Arte Arquitectura e Tecnologia (MAAT), desenhado pela arquitecta Amanda Levete, é um edifício onde várias destas questões confluíram. Concebido em Rhinoceros, a envolvente do MAAT é uma casca complexa definida inteiramente em nurbs e reflecte uma intenção de renovar o acesso do público ao rio Tejo, procurando restabelecer a conexão entre o rio e a cidade, perdida pela extensão do porto de Lisboa e da linha de comboio. O edifício integra-se na envolvente a partir de uma topografia artificial que permite que as pessoas andem nele – por cima, por baixo ou atravessando-o – e reflecte uma clara intenção de permeabilidade entre o interior e o exterior.
O desafio da complexa forma do MAAT é evidente: em primeiro lugar, como domar este “animal” do ponto de vista estrutural? A estrutura é quase sempre a primeira a “entrar” no projecto; a relação mais básica que uma forma tem com a materialidade faz-se num diálogo com a gravidade.
Os engenheiros ingleses já haviam feito um estudo preliminar onde criavam uns grandes pórticos transversais em aço de secção variável que cortavam o edifício de cima a baixo. Esta seria uma solução cara, por ser muito pesada e exigir tecnologias de corte sofisticadas importadas das indústrias aeronáutica e automóvel. Por outro lado, a presença dos grandes pórticos restringiria em grande medida qualquer projecto expositivo que se quisesse implementar.
Quando a afaconsult entrou no projecto os objectivos da sua intervenção eram claros: definir uma estrutura economicamente exequível, sem derrapagens dos prazos e do orçamento, conjugando todas as especialidades numa lógica de projecto integrado – em que um projecto não é uma soma de partes, e em que cada especialidade contribui para explorar o potencial da outra, procurando responder às ideias e expectativas dos arquitectos.
A concepção estrutural do MAAT começa com uma ideia de fazer desaparecer a estrutura e seguiu o guião habitual do método de concepção da engenharia de estruturas: procurar pontos de apoio, definir grelhas, hierarquias, eixos principais e secundários e esboçar alguns cortes construtivos da cobertura para definir pesos, materiais e acções.
Esta lógica de proceder está profundamente enraizada no métier dos engenheiros e uma das suas origens está nas aulas de arquitectura de Durand aos alunos da École Polytechnique, no início do século XIX em França. As aulas de Durand, preparadas num tempo em que o conhecimento científico era ainda rudimentar e os primeiros engenheiros eram (ainda) na prática arquitectos que faziam infraestruturas e edifícios de grande escala, visavam dotar os futuros engenheiros de um método sistemático de composição no projecto de edifícios que ressoa claramente com o método da concepção estrutural que os engenheiros utilizam ainda hoje.
Actualmente, os engenheiros já não desenham edifícios e a própria noção de espaço é diferente – no tempo de Durand este era contido, axial e ordenado; hoje também pode ser aberto, fluido e orgânico. Estas lições de Durand, apesar de potencialmente datadas, podem ser reinterpretadas numa perspectiva contemporânea, e sobretudo mantêm o seu valor enquanto processo de racionalização e sistematização do método processual.
No MAAT, a definição das grelhas estruturais tem como base o espaço principal. Era óbvio que seria o espaço expositivo principal – a Sala Oval – com mais de 800 m2. No centro deste espaço definiram-se os eixos principais, vertical e horizontal. A partir destes testaram-se métricas – 2.5, 5 ou 7.5m – e concluiu-se que a de 5m seria a mais equilibrada, num balanço entre o custo da estrutura primária e secundária. Com a grelha principal definida, seguiu-se a marcação dos principais apoios verticais da estrutura – as paredes em betão armado. Fizeram-se ajustes em diálogo com a arquitectura de modo a garantir que a grelha funcionaria.
Para os elementos horizontais da grande cobertura – as vigas – optou-se por treliças metálicas compósitas (perfis metálicos do tipo “H” e laje colaborante) apenas na direcção perpendicular ao rio. Esta solução, para além de mais económica que uma solução de viga “cheia”, garantiu a necessária flexibilidade para o atravessamento e integração das condutas de grande dimensão dos AVAC.
Esta era uma solução que oferecia segurança, flexibilidade e um controlo de custos, mas não satisfazia. Quem quereria tomar um café no bar e ter a sua vista cortada por diagonais e montantes com 30cm de espessura? Para os projectistas isto era incoerente e apesar de ser uma resposta competente, o objectivo inicial de fazer "desaparecer" a estrutura não estava a ser inteiramente cumprido.
A resposta para este problema estava uma vez mais na história da engenharia de estruturas. Em 1864, o engenheiro civil alemão Karl Culmann começa a publicar a monografia Die graphische Statik, onde expõe a utilização de um método gráfico (baseado na geometria projectiva) que estabelece uma relação entre o polígono das forças e o polígono funicular. Este é um método de cálculo centrado no desenho, baseado na tradição começada pela École Polytechnique quando Monge centrou a geometria descritiva e a análise matemática no método processual dos engenheiros, procurando uma síntese na geometria entre representação e análise.
A estática gráfica é um método estrutural que estabelece uma síntese entre forma e estrutura, num processo em que a estrutura é calculada enquanto está a ser desenhada. Apesar de ter tido um horizonte temporal de aplicação reduzido – era pouco competitiva no cálculo de estruturas hiperestáticas – os exemplos de estruturas desenhadas e calculadas com este método, como as pontes de Théophile Seyrig no Porto, ilustram o potencial deste método quase esquecido da engenharia de estruturas.
Após alguns esquissos iniciais, constatou-se que era possível substituir a grande treliça do MAAT por um arco com um vão de cerca de 70m e uma altura de 9.5m, num plano que fazia aproximadamente 30º com a vertical. Em alguns desenhos de esquisso, para controlar a inserção, e em Autocad, pré-dimensionou-se o arco anti-funicular de três pontos fixos. Seria um arco de grandes dimensões, um tubo com mais de 70cm de diâmetro e que aguentaria mais de 35 MN (3500 toneladas). Os arquitectos não tiveram dúvidas que esta seria a solução e redesenhou-se tanto a zona dos arranques do arco assim como a geometria da fachada de modo a que fosse possível integrar o arco de tipologia anti-funicular.
No entanto, era difícil controlar as deformações das treliças da cobertura que o arco apoiava, devido à sua hiperestaticidade, o que obrigaria a contas infindáveis e a modelos computacionais de elevada complexidade – algo que se deve procurar evitar. A solução passou então por desligar todos os apoios que não os estritamente necessários, obtendo treliças isoestáticas – como as que os engenheiros da arquitectura de ferro do século XIX fizeram. Deste modo, pôde-se controlar o seu comportamento, optimizar as secções e as deformações de muitos centímetros do grande arco já eram facilmente corrigidas com contra-flechas.
Na prática contemporânea da engenharia é evidente que os engenheiros necessitam, tal como no passado, de uma linguagem comum para dialogar com os arquitectos. O mote de Karl Culmann, que “o desenho é a linguagem dos engenheiros”, continua válido, seja em desenho de esquisso, técnico ou em modelação paramétrica e é neste meio que se encontra a intersecção entre a arquitectura e a engenharia.
Velhos métodos do passado, como o método de sistematização de Durand através de grelhas e hierarquização de elementos permitiram racionalizar (e desconstruir) uma forma complexa nos seus elementos mais simples. A estática gráfica, há muito retirada dos planos curriculares da maioria dos cursos de engenharia permitiu, no projecto do MAAT, substituir uma grande treliça por um arco mais elegante e simples de calcular, que é também uma solução eficiente e económica.
Isto prova que os velhos métodos, que pela sua simplicidade possam parecer negligenciáveis às práticas contemporâneas (seja no ensino ou no projecto), não só se mantêm válidos como também podem ajudar a desenhar estruturas e espaços melhores. ◊