CRÓNICA
Directora de Desenvolvimento para as Artes do UPTEC
© Alexandre Delmar
Uma nova geração de inconformados tem andado a transformar a arquitectura no Porto; a forte presença das empresas de arquitectura no UPTEC tem sido reflexo disso mesmo. Criado em 2007, com o objectivo de apoiar a Universidade do Porto na sua terceira missão (a valorização do conhecimento junto do mercado), o UPTEC arrancou em 2010 com o seu centro criativo na baixa do Porto — o UPTEC PINC. Desde então, dos mais de 550 projectos que já foram apoiados pelo UPTEC, cerca de 120 são projectos empresariais criativos, 30% dos quais no campo da arquitectura.
Os arquitectos foram os primeiros a incubar no recém-inaugurado centro cor-de-rosa, à Praça Coronel Pacheco, seleccionados pelo seu carácter inovador ao nível de produtos e/ou serviços oferecidos mas também ao nível dos processos e/ou mesmo dos próprios modelos de negócio. Do tradicional estúdio de arquitectura ao colectivo artístico, passando pela produção audiovisual, pela edição de livros especializados, pela recuperação de materiais de construção, pelo desenvolvimento de brinquedos sustentáveis, pelo urbanismo bioclimático, pela curadoria e programação cultural, pela reabilitação eficiente, o UPTEC foi a casa de partida para muitas das startups de referência que surgiram nos últimos 10 anos, no Porto.
Logo no início de 2010, a Clínica de Arquitectura e a SW.ark ocupavam a primeira sala deste pólo criativo — inicialmente juntas, num exercício de controlo de custos e, nem um ano depois, cada empresa se instalava no seu primeiro espaço próprio. Seguiram-se outras jovens empresas como a Building Pictures, a Norte Magnético, o dep-A, a CREA, a FAHR 021.3, o Diogo Aguiar Studio, a Summary, a Still Urban Design, o EcoCubo, a Andreia Garcia Architectural Affairs, a Bleebla, a Malaparte, o Rosmaninho+Azevedo, a Musa, o Repositório de Materiais. Seguiram-se outros ainda, que nem chegaram a ter nome ou que, pelas mais variadas razões, acabaram por abandonar os seus projectos ainda embrionários — ou porque um dos sócios encontrava emprego, ou porque teve um filho, ou porque mudava de cidade. E ainda aqueles que, para grande frustração nossa, vimos desaparecer ou não conseguimos integrar na nossa rede, normalmente por falta de espaço — mas que acabamos por reencontrar mais tarde, muitas vezes reintegrando o UPTEC com novas propostas de negócio ou por via de colaborações com as empresas já instaladas. São essas, aliás, as primeiras características diferenciadoras que o UPTEC valoriza e activamente promove entre a sua comunidade de empresas: a resiliência da estrutura e a abertura e capacidade para trabalhar em conjunto.
Quando chegam ao UPTEC 1, os estúdios de arquitectura emergentes procuram o que qualquer outra jovem empresa procura normalmente: ferramentas que os apoiem no desenvolvimento do seu negócio, rede de parceiros e clientes e espaço para arriscarem: é isso mesmo que o UPTEC lhes oferece. Desde a sua passagem pela Escola de Startups (quando é o caso), ao período de incubação e, finalmente, à sua graduação, os projectos empresariais seleccionados são inseridos desde cedo na rede UPTEC e nas suas dinâmicas. A partir daqui fazem os seus primeiros contactos com clientes e parceiros, começando dessa forma a validar as suas propostas de valor 2, à medida que vão construindo as suas redes próprias.
Mais do que uma incubadora ou centro empresarial, o UPTEC é uma rede de convergência entre a universidade e o mercado. Oferece o serviço de incubação, de facto, mas também integra centros de inovação e projectos consolidados (a que chamamos projectos-âncora), cujo grau de inovação e criatividade contribui para a manutenção da reputação e dinâmica da nossa comunidade — daí que algumas das empresas referidas sejam convidadas a continuar a desenvolver o seu trabalho no UPTEC mesmo depois de graduadas (como é o caso do escritório do NCREP, Consultoria em Reabilitação do Edificado e Património, ou do estúdio de arte e arquitectura FAHR 021.3, ou ainda, noutro sector, a delegação Norte da agência noticiosa Lusa). Isto não significa, no entanto, que haja um corte com aqueles que se graduam (ou seja, que completam o normal processo de três a cinco anos de incubação). A relação mantém-se enquanto resultado de uma cultura colaborativa trabalhada desde o período inicial do negócio e estende-se para além das áreas criativas até às esferas mais tecnológicas e científicas, sempre numa lógica de partilha de conhecimento e recursos entre as empresas e a universidade.
As empresas do UPTEC, depois de graduadas, procuram manter o espírito e dinamismo a que se habituaram nos seus primeiros anos de vida, acabando muitas vezes por se instalar em espaços partilhados com outras empresas igualmente graduadas. Desta forma, a ligação com o UPTEC vai-se mantendo, quando não directamente, precisamente através das colaborações e alianças que prevalecem com as empresas ainda instaladas (nomeadamente com as empresas-âncora). É também importante destacar o papel do UPTEC enquanto facilitador da criação de parcerias entre as suas empresas, por forma a viabilizar projectos que, de outra forma, não seriam possíveis (ou só o seriam depois de muitos anos). É o caso do HODOS, um consórcio de estúdios de arquitectura incubados no UPTEC que se uniram para promover a valorização do território e da paisagem, que foi responsável pela programação do Desencaminharte, promovido pela Comunidade Intermunicipal do Alto Minho em 2018 e que encerrará a 7 de Abril de 2019 com o lançamento de uma excepcional publicação. É também o caso do Mês da Arquitectura da Maia (Março 2019), com a curadoria da Andreia Garcia Architectural Affairs, que reúne anualmente vários nomes relevantes da arquitectura contemporânea, muitos deles associados ao UPTEC.
Todos estes projectos acabam por deixar marcas profundas e transformadoras, algumas delas bem visíveis e determinantes para o sucesso do próprio UPTEC, como o caso do Pavilhão do Jardim (desenhado pela Clínica de Arquitectura e cuja obra foi gerida pela SW.ark) ou do desenho bioclimático do pátio do pólo na baixa (da responsabilidade da Still Urban Design), ou ainda da incontornável instalação Loop (criada pela FAHR 021.3 por ocasião da comemoração
dos 10 anos do UPTEC) na Asprela, onde também esteve já instalado um protótipo do EcoCubo, módulo de alojamento flexível e sustentável destinado ao turismo de Natureza); juntam-se-lhes as inúmeras intervenções mais ou menos efémeras produzidas no âmbito dos eventos do UPTEC ou da Universidade do Porto. Note-se que, através destas comissões e experiências (todas elas cumprindo os princípios da transparência, igualdade e da concorrência), o UPTEC serve também de plataforma de teste para alguns dos primeiros desafios profissionais destas empresas.
Com todos os percalços e algum entusiasmo (por vezes excessivo) típicos de alguma ingenuidade e falta de experiência de quem dá os primeiros passos no mercado, podemos dizer que todos os projectos que passam pelo UPTEC são casos de sucesso, mesmo quando, pelas mais variadas razões, os projectos não vingam ou são interrompidos — o que, como já referimos, é normal no meio empresarial. No entanto, mesmo quando falamos em sucesso (ou porque falamos realmente de sucesso) nem tudo são rosas... As empresas de arquitectura de sucesso (como todas as outras empresas) são aquelas que conseguem resistir às frustrações, às pressões, às noites em claro, e “dão a volta”! De uma maneira ou de outra, lá encontram o fôlego necessário e continuam — mesmo que isso signifique desistir de um projecto para poder começar um novo. Talvez por já terem passado muitos desenhos a tinta-da-china ... Talvez porque são, na sua maioria, constituídas por pessoas bem formadas, com competências diversas e com uma visão holística da realidade que as envolve. Talvez porque aprenderam na “Escola de Arquitectura do Porto” (em particular, na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e na Escola Superior Artística do Porto) que, com todas as suas virtudes e defeitos, sem sombra de dúvida, tem sido capaz de dotar os seus formandos arquitectos das ferramentas necessárias para ultrapassar os desafios da nova era.
Grande parte dos novos estúdios de arquitectura que se foram instalando no UPTEC (mas não só) chegaram até nós com uma grande frustração relativamente àquilo que o mercado tinha para lhes oferecer: estágios mal remunerados (ou não remunerados de todo); propostas muito esgotadas e até desajustadas relativamente aos actuais desafios urbanos; pouca margem para participar nos processos de criação e desenvolvimento; maior preocupação com a ostentação de uma linguagem autoral do que com os impactos ambientais e sociais dos projectos, etc. Os novos arquitectos do Porto não queriam apenas mudar a cidade, queriam mudar a arquitectura. E, no UPTEC, encontram o ambiente ideal para o fazer.
Em 10 anos, estes jovens estúdios mostraram que a arquitectura do Porto é muito mais do que meia dúzia de grandes nomes repetidos ad nauseum nos jornais. Mostraram que é possível construir sem destruir, abraçando e tirando partido das circunstâncias envolventes; demonstraram que é possível reabilitar de forma consciente e integradora, respeitando as dinâmicas próprias que caracterizam os lugares; revelaram que é possível criar obras de arte que estabeleçam diálogos entre as pessoas e o espaço público; e também mostraram que a arquitectura pode ir muito além de si própria, embarcando em projectos das mais diversas áreas, cruzando várias disciplinas, tecnologias e contextos. A arquitectura é, para eles, portanto, o seu capital maior, uma poderosa ferramenta através da qual vivem e transformam o mundo diariamente.
A avaliar pelos arquitectos que têm passado pelo UPTEC, as competências e capacidades destes profissionais vão muito para além das suas áreas de especialização (de resto, cada vez mais híbridas) e é da sua enorme capacidade de adaptação que resultam os repetidos reconhecimentos a nível nacional e curiosamente, sobretudo, a nível internacional. Vale a pena enumerar alguns exemplos como a participação na representação oficial portuguesa na 16.ª Bienal de Veneza (2018) pelo Diogo Aguiar Studio, também co-autor do premiado Eco-resort Pedras Salgadas (ArchDaily Building of the Year 2012), e pela FAHR 021.3, que foi vencedora do concurso internacional Public Art Competition, National Convention And Exhibition Center (Nangang Exhibition Hall Expansion) em Taiwan; a presença na exposição principal da edição de 2016 da mesma Bienal pela Summary, vencedora de um REd Dot Award em 2018 e cujo fundador, Samuel Gonçalves, integrou a selecção dos mais promissores arquitectos e designers Europe under 40, de acordo com o European Centre for Architecture, Art, Design and Urban Studies; a atribuição do Prémio Nacional de Reabilitação Urbana à Norte Magnético (2018, categoria “Edifício inferior a 1 000 m2”) e à CREA (2017, categoria “Serviços”), cuja moradia Casa Heróis de África, em Leça da Palmeira, foi considerada uma das 100 melhores casas de 2018 pela Archdaily; destaque também para a Casa do Lago, do dep-A, que mereceu o prémio FAD 2018 para obra efémera; ou ainda a recente nomeação do estúdio Rosmaninho+Azevedo para o Prémio de Arquitectura Contemporânea da União Europeia — Mies van der Rohe Award 2019.
Não obstante a sua importância, mais do que os prémios e reconhecimentos vários, é também fundamental referir que, no seu conjunto, estes estúdios foram já responsáveis pela criação de mais de 70 novos postos de trabalho. Não são milhões, não são milhares, nem sequer são centenas mas estes postos de trabalho são mais do que números abstractos: são contratos de trabalho, com todos os direitos e condições necessárias para garantir uma qualidade de vida digna e a possibilidade de construir futuros e de ter sonhos — que é, afinal de contas, o que todos merecemos e a razão para o ambiente que se vive nestas empresas ser, no mínimo, bastante convidativo.
Não é só de cortes, plantas e alçados que se fazem os novos ateliers de arquitectura do Porto. Prova disso é a diversidade de propostas de valor destes negócios emergentes, que vão muito para além das maquetas e das memórias descritivas, e, às vezes, mesmo para além da própria arquitectura. Desde propostas editoriais, programas culturais, galerias e exposições, espaços de discussão e partilha de conhecimento, participação cívica, provocação urbana, e até alguma acção política (no sentido construtivo da palavra, entenda-se), dentro mas também fora das suas empresas, os novos arquitectos do Porto, altamente flexíveis e dinâmicos, têm-se lançado em várias frentes de actuação, tendo sempre em vista o posicionamento da arquitectura enquanto disciplina de encontro de diferentes tipos de problemáticas, experiências e saberes. Os novos arquitectos do Porto têm contribuído para lançar as fundações que sustentam a arquitectura enquanto abrigo aberto para a construção de uma sociedade e uma economia que se querem mais sustentáveis, conscientes e plurais. O UPTEC tem tido o privilégio de os acompanhar, apoiar e ver crescer neste movimento, na certeza de que são estes os arquitectos que estão a construir futuro. Outros se seguirão e juntarão. Cá os esperamos. Serão bem-vindos. ◊