Edifício do Montepio Geral
Bragança
Daniel Vale
Arquitecto: Alfredo Viana de Lima
Ano: 1963
Local: Bragança
De todas as obras projectadas e construídas pelo arquitecto Alfredo Viana de Lima na cidade de Bragança, o Edifício do Montepio Geral, também conhecido como Edifício Multiusos ou Edifício da Torralta, será, porventura, aquele com maior ligação à envolvente imediata onde se implantou. Ao contrário dos edifícios do Hospital Distrital, da Escola e Lar de Enfermagem, do Bairro do Toural e das Escolas Primárias do Toural e das Beatas — todos construídos em "campo aberto" e afastados do núcleo urbano da cidade de há mais de 50 anos — o edifício que Viana de Lima projectou em 1963, para dar resposta a um programa vasto e multifuncional, teve que responder a uma série de condicionantes do local, que o Mestre soube incorporar no desenho final do edifício com génio.
Simbolizando uma certa modernidade que, finalmente, chegava à cidade de Bragança (cineteatro, abertura de uma avenida nova na plataforma definida pelo traçado original da linha de caminho-de-ferro, entretanto reposicionada para um anel exterior à cidade) que dava, por esses anos, sinais de querer vestir o fato de gala para o efeito. A chegada do comboio à cidade motivara, algumas décadas antes, a abertura da Avenida João da Cruz, deslocando para Norte a centralidade do burgo. Em 1954, José Carlos Loureiro construíra na envolvente ao Castelo, a Pousada de S. Bartolomeu, primeiro manifesto moderno da arquitectura portuguesa por estas latitudes. Por outro lado, o Plano de Urbanização da Cidade de Bragança, aprovado em 1948 e desenhado por Januário Godinho, tinha por finalidade transformar a Praça Professor Cavaleiro Ferreira no verdadeiro centro cívico da cidade.
Para além do Palácio da Justiça, do Palácio das Corporações e do Banco Nacional Ultramarino, já construídos quando Viana de Lima chegou à cidade e cuja linguagem neotradicional, falsamente revivalista das formas do passado, desvirtuou por completo as premissas do Plano de Januário Godinho, ficaram por realizar a Câmara Municipal de Bragança e a Sé Episcopal, edifícios que apenas se construíram mais de meio século depois e noutras zonas da cidade.
O Edifício do Montepio Geral, que incluía uma agência bancária, um cineteatro, um hotel e um café-restaurante, representa, na nossa opinião, a síntese de uma evolução no pensamento moderno de Alfredo Viana de Lima. Se, por um lado, interessava afirmar a presença do edifício, na sua modernidade e urbanidade, na grande praça central de meados do século XX, o jogo de volumes que se vai diluindo na malha urbana anónima das traseiras, revela a preocupação de Viana de Lima em estabelecer relações com a envolvente. O edifício do Montepio Geral será, de resto, o único na praça que respeita as intenções de Januário Godinho e, ao recuar o plano de fachada do seu edifício, relativamente ao alinhamento definido pelo edifício confinante, Viana de Lima dá uma claro sinal de recusa dessa linguagem revivalista definida nas construções circundantes.
Apesar da complexidade da encomenda e da diferença de cotas no local onde se implantou, a aparente simplicidade na distribuição do programa e na articulação do conjunto, estabelece diálogo quer com os edifícios institucionais da Praça Professor Cavaleiro Ferreira, quer com o frenesim do movimento automóvel que se antecipava para a transformada Avenida Dr. Francisco Sá Carneiro de então, quer, sobretudo, com o casario das ruas secundárias das traseiras e do interior do quarteirão.
Volvidos mais de 50 anos desde a sua construção, o Edifício do Montepio Geral permanece como testemunho privilegiado de um modo de fazer cidade e convoca-nos para a necessária reflexão do desenho do território periférico e interior. No entanto, tendo em consideração o estado de aparente abandono a que chegou; algumas alterações e adaptações recentes, que privilegiaram o cumprimento dos normativos regulamentares em detrimento da integridade arquitectónica do edifício; o silêncio das autoridades locais, indiferentes ou desconhecedoras do valor patrimonial desta arquitectura; urge encontrar formas de salvaguardá-la e de convocar a sociedade civil para esse desafio.
Como refere Carlos Machado 1 , mais do que a forma em s, o que torna esta arquitectura singular, são as relações que estabelece com tudo que a rodeia. Se o reflexo deste movimento de ideias se encontra já esbatido, cabe-nos a nós, na actualidade, encontrar forma de o reavivar e projectar no futuro, não só pelo seu valor intrínseco e pelo conjunto de significados para a construção da cidade de Bragança mas também por se tratar de um património arquitectónico tão ou mais valioso do que o de qualquer outra época histórica, por ser representativo da glorificação do espírito da época da máquina, porque nos foi transmitido na cidade e pela cidade, como um bem que herdámos e deveremos saber honrar mas que, ao longo das últimas décadas, tem sofrido inúmeras transformações que o tornam, em muitos casos, irreconhecível. ◊