Capela de Nossa Senhora de Fátima em Alimonde

Daniel Vale

Arquitecto: Nadir Afonso
Ano: 1963
Local: Alimonde, Bragança

Em Maio de 1967, Francisco dos Anjos Fernandes do Vale (meu tio-avô), pároco natural de Vila Boa, Vinhais, escreveu uma carta dirigida ao Arquitecto Nadir Afonso, à época residente em Chaves, para lhe encomendar o projecto de remodelação de uma habitação na Torre de D. Chama, atendendo às exigências da Junta Autónoma de Estradas, que obrigavam à apresentação prévia de um projecto de arquitectura.

Nessa altura, no entanto, já Nadir Afonso tinha decidido abandonar o exercício da Arquitectura. Talvez por achar que, ao responder a uma determinada função, a Arquitectura ficava limitada enquanto expressão criativa e artística, ao contrário das obras de arte que, segundo Nadir Afonso, resultam das leis da harmonia, livres de um utilitarismo a que a Arte não se submete. A partir de 1970, passou a dedicar-se unicamente à Pintura. Consequentemente, a encomenda da Torre de D. Chama ficou sem resposta.

Entre os inúmeros projectos que Nadir Afonso tinha realizado, contava-se o de uma pequena capela, motivo do encontro inicial com o Padre Francisco Fernandes do Vale. Construída em Alimonde, aldeia do concelho de Bragança. A obra foi patrocinada por Manuel Francisco Afonso Nunes (também meu tio-avô), e pela esposa, Gracinda Virgínia Vaz Rijo, ambos naturais da aldeia mas emigrados no Brasil e que, por devoção, decidiram dedicá-la a Nossa Senhora de Fátima, incumbindo Francisco Fernandes do Vale, primo do casal, da escolha do arquitecto e de todas as diligências para levar a bom porto a sua construção.

 

 

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Localizada no alto de uma elevação natural, designada na aldeia por "Cabeço do Lombo", a simplicidade do seu desenho evidencia não só a capacidade de Nadir Afonso em dar resposta à devoção e anseios da população da aldeia e do casal que fez a encomenda mas, sobretudo, a importância do lugar, que a forma pura e os materiais da capelinha enaltecem, por contraste e não por mimetismo. Funciona, desse modo, como verdadeiro remate no cimo da colina e local privilegiado para a introspecção.

O facto de se localizar no local mais remoto e improvável que se possa imaginar, adensa a modernidade do gesto de Nadir Afonso. Porque a pequena Capela de Nossa Senhora de Fátima, na sua despojada materialidade e espacialidade, nos convoca para uma conversa íntima. Não se trata de estabelecer relações com a realidade pré-existente. Pelo contrário, a capela separa-se intencionalmente do povoado e dos terrenos lavrados. Como que evocando um tempo antigo, das ocupações castrejas, que ocupavam o alto dos montes em posição de defesa dos perigos terrenos, o silêncio do seu desenho permite a fruição da belíssima paisagem envolvente e o recolhimento necessário para as coisas da alma.

O que mais fascina neste projecto de Nadir Afonso é a inteligência, sensibilidade e firmeza do desenho. Partindo de uma encomenda relativamente banal, o arquitecto estabeleceu não apenas um compromisso com a inevitabilidade do programa e com os seus clientes, mas também com a modernidade que, afinal, passou por Alimonde. E depois, há os materiais e acabamentos. A forma como o chão de pedra se fez parede, branca, sem rodapé ou qualquer tipo de truques e esta, se dilui e confunde com o tecto, também branco, sem chegarmos a perceber verdadeiramente onde começa um e acaba o outro. Por fim, o controlo da luz no espaço interior. O modo como o desfasamento da parede permite que o altar seja inundado de luz. Nesse diálogo com o lugar, o edifício afirma toda a sua transcendência.

 

 

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Anthony Vidler, num capítulo do livro Warped Space, reflecte sobre a forma como a maioria das pessoas se movimenta no espaço urbano, sem aparentar compreendê-lo ou, sequer, vê-lo. E o modo como as cidades são invisíveis para nós, que nos habituámos a percorrer os seus espaços e os seus monumentos, de forma intuitiva. Walter Benjamin explica esse fenómeno no seu ensaio The work of Art in the Age of Mechanical Reproduction, afirmando que a Arquitectura sempre representou um protótipo de uma obra de arte cuja recepção é feita pela colectividade num estado de distracção 1 . Poderemos dizer que o projecto desenvolvido por Nadir Afonso em Alimonde, não só se adaptou às condições do local onde se inseriu, e atingiu as leis de perfeição que regem a Arquitectura, como, ao se libertar de certo modo desse principal constrangimento funcional, sobretudo pela qualidade do desenho, se aproximou vertiginosamente das leis da harmonia que regem a Arte. Como um operador de escalas, que incorpora o procedimento artístico e provoca emoções estéticas 2 . Habituámo-nos a vê-la lá, no alto do seu cabeço e, provavelmente, teremos andado muito distraídos ao longo deste tempo para perceber isso.

A Capela de Nossa Senhora de Fátima não está abandonada nem em perigo de ruína. Não tem o futuro comprometido como acontece com outras obras de Nadir Afonso. Mas as alterações que foi sofrendo o longo dos anos adulteraram profundamente a sua materialidade, a sua espacialidade e as relações com a envolvente pretendidas pelo autor, que as classificou como “a alteração mais macaca (...), uma coisa triste porque a capelinha até tinha graça” 3 . E, perante a indiferença e silêncio em torno da delapidação de um  património que é de todos, deveremos sentir-nos convocados a agir, dada a necessidade da sua salvaguarda, como gesto de reconhecimento para com a obra de Nadir Afonso e como forma de transmitirmos às gerações futuras o extraordinário conjunto de arquitectura moderna que se fez em Bragança e de que a capela do "Cabeço do Lombo", em Alimonde, é um belo exemplar. ◊

 


 
Nota Final – Referência de gratidão a Dr. Ligório Vaz, que gentilmente cedeu as imagens da época de construção da capela. Comparando as imagens com as actuais, podem perceber-se as alterações que entristeceram Nadir Afonso.Manuel Francisco Afonso Nunes, aparece rodeado de membros do clero, entre os quais Francisco dos Anjos Fernandes do Vale. Este texto é também uma homenagem à memória de ambos.

 

Garagem de São João

Pedro Seixo Rodrigues

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Edifícios Esquecidos no J—A

Esquecido é o espaço onde o J—A mostra edifícios que estão esquecidos, seja porque ficaram abandonados ou por estarem profundamente transformados.

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Radix

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